Transporte, uma atividade de risco essencial
Por Frederico dos Santos Messias
Juiz titular da 4ª Vara Cível de Santos (SP), coordenador do Núcleo de Justiça Especializado em Direito Marítimo do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor
A atividade de transporte é uma verdadeira protagonista da economia brasileira, representando, segundo dados da Conferência Nacional do Transporte, 6,8% do PIB.
Essa atividade, essencial ao desenvolvimento do país, gera riscos.
O risco, portanto, é inerente à atividade de transporte.
Esse risco é aceito em prol do desenvolvimento da economia.
É nesse contexto de risco aceito, que nasce a importância da responsabilidade civil do transportador.
A responsabilidade civil está fundada no princípio da reparação integral, previsto no artigo 944, do Código Civil, impondo-se ao responsável pelo dever de indenizar a efetiva restituição da parte lesada ao momento anterior ao do dano causado.
Transporte e responsabilidade civil são conceitos indissociáveis, onde houver um, estará o outro também.
O contrato de transporte, em sua formulação geral, está regulado no artigo 730, do Código Civil.
O contrato de transporte é uma obrigação de resultado.
Isso significa dizer que importa aos contratantes do contrato de transporte, a obtenção do resultado contratado.
O transportador, portanto, obriga-se pelo resultado convencionado, qual seja, entregar a carga confiada para transporte no destino, nas mesmas condições em que recebida na sua origem.
Não por outra razão, o contrato de transporte, para além da obrigação principal de transportar, possui uma obrigação anexa de depósito, pois o transportador, na condição de depositário da carga que lhe foi confiada ao transporte, se obriga com a sua entrega nas mesmas condições em que a recebeu, vale dizer, livre de qualquer avaria.
O risco potencial da atividade de transporte conduz o transportador pelo caminho da responsabilidade objetiva.
Nesse passo, afirma-se a natureza objetiva da responsabilidade civil do transportador, seja pela incidência do artigo 927, § Único, do Código Civil, seja pelo antigo Decreto Legislativo (Lei Federal) nº 2.681/12, mais conhecido como “Decreto das Estradas de Ferro” (também conhecido como “Decreto dos Transportes”), seja, ainda, pela Lei 11.442/2007 (Lei do Transporte de Cargas Rodoviárias).
A responsabilidade objetiva é aquela que prescinde do elemento subjetivo (culpa), bastando a presença dos três elementos essenciais a qualquer espécie de responsabilidade civil, quais sejam: conduta, dano e o nexo causal entre a primeira e o segundo.
Há quem sustente a existência da denominada “responsabilidade civil objetiva imprópria”, a partir de uma culpa sempre presumida do transportador, a inverter o ônus da prova quanto à exclusão do nexo de causalidade, cujo efeito prático é o mesmo da “responsabilidade objetiva pura”, já que ambas admitem, como regra, a exclusão do nexo causal, com o ônus probatório imposto ao transportador.
Aqui, destaca-se, devido a importância da conclusão, o ônus probatório quanto à prova de qualquer causa excludente será do transportador.
Veja-se, assim, que o transportador não está alçado à condição de segurador universal, responsável pela reparação de todo e qualquer dano, mas somente aqueles para os quais concorreu, inseridos no círculo dos riscos assumidos por ele no exercício da sua atividade, terreno no qual ganham destaque os conceitos de fortuito interno e fortuito externo.
A análise de um determinado fato como fortuito interno – inserido no círculo dos riscos assumidos – e fortuito externo – externo ao círculo dos riscos assumidos – é uma análise necessariamente tópica, que somente se apresenta viável a partir do caso concreto.
Não por outra razão, um mesmo evento, a depender da situação de fato, poderá ser ora fortuito interno, ora fortuito externo, conforme as circunstâncias que se apresentarão e que servirão de base para análise do julgador por ocasião do seu julgamento.
Tome-se, como exemplo, o caso do roubo, sem maiores digressões em razão da limitação deste espaço.
Afirma-se o roubo como uma causa excludente da responsabilidade do transportador. Mas, será sempre causa excludente? E nos casos de transporte terrestre por percurso com sabida alta incidência de casos de roubo? O transportador adotou todas as diligências razoáveis?
Está posta a dificuldade, que somente à luz de um caso concreto será possível solucionar.
Em conclusão, a partir do que escrito nesse singelo texto, destaco a importância da atividade de transporte, em todos os seus modais, não apenas para a economia nacional, como já afirmei, mas, para além, o desenvolvimento mesmo da economia global, a implicar, por consequência, na elevação dos riscos pelo seu incremento, exigindo-se regras bem definidas a respeito da responsabilidade civil.
É importante o papel do Poder Judiciário na manutenção desse cenário de efetiva e integral reparação do dano, a partir dos riscos assumidos pelo transportador, não lhe obrigando nem a mais, nem a menos.
As decisões judiciais, implementadas a partir de Magistrado com conhecimento especializado sobre o setor, concretizam no mundo real o conceito abstrato de previsibilidade, ideia consentânea com o ideal de segurança jurídica.
Por isso, em prol da atividade de transporte, alinhada que deve estar com as melhores práticas internacionais do mercado, sempre destaco, segurança jurídica não é uma opção, é a única solução!