Qual será o futuro dos OGMOS?
Por Shana Bertol
Advogada e diretora executiva do Ogmo/Paranaguá (PR)
Após mais de três décadas da lei que constituiu o OGMO – órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário, muitos questionam se essa figura não teria cumprido seu papel no ciclo de transição, saindo de um sistema marcado pela gestão sindical e forte intervenção estatal, para um regime intermediado por uma entidade neutra.
Desde a sua constituição nos portos brasileiros, a figura do OGMO sempre foi estigmatizada pela ineficiência, de um lado pela cultura de resistência de todo um setor a uma entidade até então desconhecida, e do outro face às amarras legais que impossibilitam uma gestão autônoma e independente.
Isso porque, apesar da Lei dos Portos delegar ao OGMO a responsabilidade pelo fornecimento e administração da mão de obra portuária, não lhe conferiu o poder de direção do negócio, especialmente quanto à entrada e à saída de trabalhadores portuários avulsos do sistema, à aplicação de medidas disciplinares aos trabalhadores que cometem infração e à adoção de ferramentas básicas de gestão, tais como: assiduidade, compulsoriedade e organização das escalas de trabalho para atender as demandas de falta de mão de obra.
Vale notar que com o afastamento da aposentadoria como causa de extinção da inscrição do trabalhador portuário avulso no OGMO, a Lei dos Portos limitou ainda mais as possibilidades de exclusão dos trabalhadores do sistema, permanecendo somente as hipóteses de morte e cancelamento por processo administrativo ou plano de desligamento voluntário. Nesta seara, o cancelamento por processo administrativo é feito através da Comissão Paritária, a qual tem atribuição legal de solucionar os litígios decorrentes da relação de trabalho portuário.
No entanto, o que se verifica na prática é que a Comissão Paritária, na forma como constituída (trabalhadores portuários e operadores portuários), não tem a efetividade almejada em razão da falta de consenso dos membros sobre a aplicação da penalidade, conforme bem apontado no Relatório TCU – Tribunal de Contas da União (TC 021.614/2023-7): “(…) constata-se que, de um total de 4.200 penalidades aplicadas entre 2017 2020, submetidas à apreciação das comissões paritárias, quase 63% foram reduzidas ou anuladas”.
Essa ausência de autonomia para que o OGMO de fato gerencie a mão de obra portuária, resulta em uma cultura de ingerência dos trabalhadores, prevalecendo preferências pessoais na escolha de atividades e impunidade quanto às infrações cometidas na faixa portuária. A junção desses fatores resulta na dificuldade de uma necessária e efetiva renovação no quadro de trabalhadores portuários, para manter no sistema aqueles que sobrevivem do porto e atingem um nível de desempenho e performance nas operações portuárias.
A insuficiência da aplicação dos recursos recolhidos pelo setor portuário ao Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo FDEPM) , é outro desafio a ser enfrentado pelos OGMOs, que acabam por não atender de forma eficiente e satisfatória ao treinamento e capacitação da mão de obra, na medida que não têm a gestão deste fundo. Muitos OGMOs são obrigados a adotar políticas próprias de treinamento, impactando em duplicidade de recolhimento pelos operadores portuários.
Outra questão que coloca em risco a sobrevivência dos OGMOs são os vultuosos passivos trabalhistas que a entidade responde em razão da responsabilidade solidária prevista na Lei 12.815/2013, acarretando um alto custo para operadores portuários, em especial aqueles ativos e operantes, que tentam se desvencilhar de passivos trabalhistas que não deram causa, gerando possíveis barreira para novos entrantes.
E aqui, um parêntese, para esclarecer que a grande maioria desses passivos trabalhistas envolvendo os OGMOS não decorrem de inobservância das suas atribuições e responsabilidades conferidas pela Lei Portos. O que se observa pelas inúmeras demandas que tramitam no poder judiciário, é a universalização da solidariedade que tornou os OGMOs um garantidor de todo e qualquer crédito trabalhista decorrente da tomada de mão de obra dos trabalhadores portuários avulsos.
A somatória desses engessamentos legais compromete sobremaneira o core business do OGMO, que é justamente fornecer e gerir uma mão de obra portuária que atenda a demanda dos portos de forma eficiente, qualificada e segura.
Em que pese os ventos soprarem contra a maré, muitos OGMOs aprenderam a nadar e sobreviver, se reinventado ao encontrar alternativas para agregar valor para atividade portuária, adotando uma cultura de empresa privada, na qual o produto é a mão de obra portuária, os clientes são os operadores portuários e terminais, buscando gerar resultado operacional para que seus clientes obtenham lucro.
Mas o momento é oportuno para olharmos para o futuro! Foi criada pela Câmara dos Deputados uma comissão de juristas para elaborar uma proposta de revisão do arcabouço legal portuário, em que se almeja que todas essas limitações e restrições legais sejam revistas, a fim de conferir aos OGMOs independência e autonomia para fazer a gestão da mão de obra portuária, elevando assim a eficiência operacional dos portos.