quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
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Burocracia x Desenvolvimento Portuário

Por Nelson Cavalcante
Juiz do Tribunal Marítimo


É de conhecimento geral que o Brasil escoa praticamente toda sua produção agrícola e industrial através dos portos. Produtores de grãos, carne, minério, petróleo, máquinas e manufaturados em geral dependem do mar para enviar sua produção e receber seus insumos, fazendo com que mais de 90% de nosso comércio exterior seja realizado por via marítima, através de portos espalhados ao longo dos nossos mais de 8.600 quilômetros de litoral, vários deles elencados entre os maiores escoadores mundiais de produtos como café, soja e minério de ferro.

Sabe-se também que o transporte de cabotagem, que foi sendo superado pelo modal rodoviário como principal matriz de transporte de nosso país a partir da segunda metade do século passado, está novamente ganhando importância nas políticas públicas, curiosamente não pela óbvia vantagem logística, mas pela necessidade de nos adequarmos aos parâmetros de sustentabilidade exigidos internacionalmente, levando-nos a buscar novamente a implementação de técnicas de transporte mais limpas, visando a redução da emissão de gases poluentes.

Ainda falando sobre navegação de cabotagem, os mais de 20.000 quilômetros de vias navegáveis através do Rio Amazonas e de seus afluentes nunca permitiram que essa fosse superada em importância pelo transporte rodoviário. Com isso, atualmente navegam pela vastidão da Amazônia mais de 40.000 embarcações ostentando a bandeira brasileira, dos mais diversos tipos e portes, transportando mercadorias e pessoas, servindo-se de terminais, a maioria improvisados, que não retratam a importância econômica do setor. A modernização da frota e a melhoria na infraestrutura portuária ao longo daquela gigantesca via navegável interior se impõem. Há muito a ser feito ali.

Não é nenhuma novidade, portanto, que o Brasil depende do modal marítimo para ver sua economia girar e que a solução dos muitos gargalos logísticos de nosso país criaria um manancial infinito de negócios. Então por que é tão difícil empreender em infraestrutura portuária?

A CEPORTOS (Comissão de Juristas para Revisão Legal da Exploração de Portos e Instalações Portuárias) fez ao longo desse ano de 2024 uma série de audiências públicas para ouvir trabalhadores e empresários do setor portuário. Se os discursos ali ouvidos fossem organizados em uma nuvem de palavras certamente que a palavra BUROCRACIA ocuparia o centro da nuvem com forte destaque. Essa se repetiu em todas as queixas apresentadas pelas diversas organizações que congregam empresas e trabalhadores, criando até um certo consenso entre elas no sentido de que a pressão do estado é o grande vilão para o desenvolvimento do setor.

A obtenção de uma concessão, arrendamento ou autorização depois de um longo e espinhoso processo não é o fim, mas só o começo da batalha contra o estado que de um lado concede, arrenda ou autoriza, mas de outro impõe barreiras que dificultam a “navegação” tranquila daquele que conseguiu o contrato e quer, finalmente, empreender e obter lucro de seu negócio, uma vez que qualquer modernização tecnológica visando a ampliação da capacidade de movimentação de carga nos terminais ainda esbarra na necessidade de se obter a autorização não apenas do poder concedente, mas de uma série de entidades públicas que, parece até, se alinham no intuito de dificultar a tarefa, conforme disseram alguns durante aquelas audiências.

Não há um mapa que ajude o empreendedor a superar o labirinto de leis, normas, regulamentos, portarias, instruções, resoluções, entendimentos jurisprudenciais e outras tantas normativas que compõem nosso sistema, regras essas não raramente contraditórias. Ele tem que se valer de bons advogados, paciência e uma boa dose de coragem para enfrentar essa aparente falta de incentivo da burocracia nacional. A simplificação de regras e, principalmente, a concentração de toda a burocracia, ou a maior parte dela pelo menos, em uma só agência reguladora foi uma reivindicação comum que a CEPORTOS levou em consideração na elaboração de seu trabalho que ainda será submetido ao Poder.

Legislativo antes de virar a Nova Lei dos Portos, a terceira em trinta anos, vale lembrar.

É importante que se afirme que uma lei nova não será capaz de alavancar o setor sozinha se não houver por parte do Poder Público a vontade efetiva de transformar nossa infraestrutura portuária deficiente naquela que o maior exportador de minérios e grãos do mundo merece. Estamos produzindo cada vez mais, mas não estamos nos estruturando na mesma velocidade e se o Brasil quer que a iniciativa privada se responsabilize por instalar estruturas portuárias, dragar e balizar canais para receber navios em portos seguros, todas responsabilidades que já foram do setor público e que foram transferidas para o setor privado, então deve facilitar o trabalho daquele que lhe assumiu as tarefas. Navegar é preciso, mas com essa burocracia… 

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