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O Ceará por uma transição energética justa

Por Rômulo Alexandre Soares
Advogado sócio da APSV Advogados e co-fundador do Instituto Winds for Future

 

A transição energética é o grande desafio de uma sociedade eletrointensiva. O aumento das temperaturas médias globais, a maior frequência de eventos climáticos extremos e a elevação do nível do mar estão relacionadas à emissão de gases de efeito estufa, oriundos, em grande parte, da queima de combustíveis fósseis para a geração de energia.

A outra face dessa mesma moeda é que o desafio para limitar o aquecimento global a 1,5°C traz oportunidades para regiões abundantes em recursos naturais renováveis deste lado do Sul Global, que podem contribuir para a meta de frear o aquecimento até 2050. A justiça dessa transição energética se estabelece na forma em que se dá essa relação entre nações assimétricas nas suas pegadas de carbono. 

É neste contexto que abordo como o estado do Ceará vem encarando oportunidades associadas ao desafio global por uma transição energética justa e que oportunidades vem absorvendo para promover o desenvolvimento através da internacionalização da sua economia.

A energia elétrica chegou ao Ceará no início dos anos 1960, trazida de Paulo Afonso, para ligar as máquinas do primeiro distrito industrial do estado. Entretanto, é um pouco antes da virada do milênio que se processa uma segunda importante revolução elétrica, desta vez no governo de Tasso Jereissati, para fazer o Ceará produzir energia e assim articular um novo mecanismo de internacionalização da sua economia.

Eu já era advogado e testemunhei essa nova revolução. Eram da antiga estatal Coelce os três aerogeradores implantados na ponta do Mucuripe, na segunda metade dos anos 1990, anunciando uma nova vantagem locacional do Ceará: os bons ventos. Poucos anos depois, o PROINFA, programa federal de incentivo às energias renováveis, lançado na transição entre os governos de Fernando Henrique e Lula, atribuiria ao Ceará uma importante fração dos projetos eólicos contratados naquele período, devido à qualidade do vento no seu litoral. Começava ali uma jornada bem-sucedida ligada à geração de energia limpa. Não demoraria muito para uma segunda vantagem locacional ser revelada: a produção de energia por fonte solar.

As energias renováveis não trouxeram para o Ceará apenas a oportunidade de gerar eletricidade, mas também de integrar o estado a uma rede de alcance global que abrange empresas líderes em outros mercados e que, fazendo negócios no estado, investiram capital. De fato, o Ceará não atraiu apenas empresas de geração de energia, mas também outros atores dessa cadeia produtiva, como fabricantes de pás eólicas, aerogeradores, softwares e outros serviços especializados.

O cluster de energia do Ceará já nasceu global, com a atuação de multinacionais europeias que já investiam na geração de energia eólica e viram no Ceará uma oportunidade de aumentar a escala de seus negócios em um estado integrado a um país e mercado continentais.

É nesse contexto que, há cerca de dois anos, decidiu-se investir na proposta de tornar o Ceará o hub brasileiro do hidrogênio verde. Em dezembro de 2021, num trabalho realizado pela McKinsey, o estado foi o primeiro a reunir, no Brasil, o ecossistema de energias renováveis para elaborar um roadmap que permitisse — à terra que, em 1997, implantou sua primeira usina eólica, e, em 2011, sua primeira usina solar — produzir a primeira molécula de hidrogênio verde ainda em 2022.

Se hoje se fala de hidrogênio verde no Ceará como uma oportunidade associada à transição energética, é importante dizer que nada disso teria sido possível sem essa jornada de quase 30 anos, que pavimentou um ambiente e governança favoráveis à atração de novos investimentos para gerar energia limpa. A proposta de criação de um hub de hidrogênio verde no Pecém trará uma nova etapa no processo de internacionalização e amadurecimento desse cluster de energia, especialmente a partir da atração de outros investimentos em logística e transporte de amônia para a Europa, e da associação da produção de hidrogênio verde à geração eólica no mar.

No entanto, a ambição em se posicionar como um importante ator na transição energética, deve ser marcada pela adoção de uma abordagem que vá além da mera expansão das fontes renováveis. A transição deve ser inclusiva, gerar empregos, fortalecer as cadeias produtivas locais e promover o desenvolvimento econômico regional de forma equitativa.

Em outras palavras, é vital que a transição energética, que move empresas, governo estadual, entidades de classe e academia, tenha como propósito, além de produzir excelentes resultados para seus investidores e para o clima na terra, também promover uma transição energética justa. A transição não pode aprofundar o fosso entre parcela da sociedade que aproveita a eletricidade e a outra que sequestram carbono. Isso vale à escala subnacional, nacional e global. O recente lançamento no Ceará, do Programa Renda do Sol, que visa contribuir com a redução da pobreza por meio da geração de renda pela microgeração distribuída de energia solar residencial, é um bom exemplo dessa construção concertada entre diversos atores públicos e privados.

Para uma sociedade eletrointensiva, não há outros caminhos: agir para mitigar os impactos das mudanças climáticas, adaptar-se e se revelar, num horizonte de 25 anos, bem-sucedida em não exigir a todos um Planeta B — aliás, que ainda não existe.

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