quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
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Luiz Dias Guimarães

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Tempos de trabalho com alegria

O grupo de operários voltava do almoço às gargalhadas, zoando com um amigão. A gozação muitas vezes é demonstração de carinho. Nem tudo é bullying nesta vida de agora. O mesmo grupo diariamente faz roda na esquina para ouvir e cantar junto com o operário violonista enquanto não toca a sirene chamando para as máquinas. Afinal, aqueles homens máquinas não são, só gente feliz no seu propósito, enquanto os robôs não assumirem seus papéis.

Sigo calmamente pela calçada, pensando o quanto às vezes trabalho de mau humor. Não por ter que trabalhar, tampouco devido ao que faço. É o humor que me roubam as preocupações. Viver é uma arte, e gostaria de sempre preservar o propósito de estar feliz, o que em geral independe do rigor da vida.

Meu primeiro trabalho com carteira assinada foi como office-boy, aos dezesseis anos, num tempo em que o trabalho tinha glamour. Era uma empresa norte-americana, a Anderson, Clayton. Essa filial santista cuidava só de exportar café. E o café contaminava o ar de alegria no principal centro de comercialização mundial do grão, negociado diariamente no prédio em frente, a Bolsa Oficial de Café.

Os corretores viviam em rebuliço nos pregões e fora deles, caminhando com pilhas de amostras do produto pelas ruelas daquele centro permeado de corretoras, exportadoras e bancos estrangeiros.

Ah, como eram divertidos aqueles tempos! A Anderson, Clayton era exemplo de ESG. Tínhamos orgulho de lá trabalhar. Os office-boys eram tidos como elite na categoria. A companhia nos pagava curso de inglês, nos vendia a preços módicos os óleos, margarinas e que tais que suas filiais fabris produziam. Era a alegria das nossas mães, aliviadas mensalmente nos custos de nos alimentar.

Nós, os boys, éramos até um pouco esnobes e vivíamos aprontando e zoando a tudo na vida. O gerente-geral, o senhor Claude, chegava diariamente num Itamaraty guiado por seu motorista. Nós, os meninos travessos, vínhamos de Landau com motorista, o top dos carros, porque um dos meninos era o Carlinhos, como posso dizer, filhinho de papai. Nós outros só na carona, e isso nos divertia muito!

Na sua prática constante de nos querer bem, a empresa promovia em sua cartilha de ESG um campeonato anual entre as filiais. Era nossa olimpíada, e eu, como não praticava qualquer modalidade esportiva, lembro de ter integrado a delegação santista para Campinas na função de fotógrafo, que, confesso, não era também minha melhor habilidade.

Mas me orgulhava de ter ganho dois certificados no concurso interno de sugestões para aprimoramento do trabalho. Das minhas três sugestões, duas foram aprovadas pelo comitê gestor da empresa!

Não havia naquela época, anos 60, relógio de ponto, e uma das minhas tarefas diárias era sair correndo escadarias acima e abaixo, às oito e cinco da manhã, recolhendo os livros de ponto e carimbando de vermelho as linhas não assinadas. Frequentemente alguns colegas corriam atrás de mim, me maldizendo ou implorando que tropeçasse e eles tivessem tempo de rabiscar o nome em plena escadaria. Eu era muito importante nessa hora. Assim também quando corria desembestado pela Rua XV para entregar a tempo os documentos para o câmbio no Banco Central e os borderôs de exportação no Instituto Brasileiro de Café. Os burocratas do governo já estavam acostumados com a pressa dos tempos de glória do café e a nós, boys da Clayton, tratavam com cordialidade e respeito.

Ah, que tempos eram aqueles, que a rigor eram de felicidade não só para aqueles meninos que passavam o dia de olho nas secretárias. A alegria era geral, especialmente no térreo, onde os classificadores de café viviam em algazarra enquanto enchiam a boca de café aguado e escarravam após movimentarem as bochechas.

O Winston era o pior, sempre nos divertindo. Isso quando não passava um corretor matreiro pela porta e arremessava uma bombinha na sala para furor de todos que saíam desembestados atrás do autor.

São muitas as lembranças daquele tempo em que nada era politicamente correto. E a alegria animava nossos afazeres. Hoje, não sei se é minha idade ou meu ânimo de vida é outro, mas não sinto nos ambientes de trabalho esse propósito de trabalhar com alegria, como aqueles moços de macacão azul que cantam e zoam na hora do almoço. Talvez para festejar que a IA ainda não ocupou suas vagas.

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