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“Não morrer não é viver bem”
A definição de saúde da Organização Mundial de Saúde é bem-estar. Não importa a idade, a qualidade de remédios que você toma ou o número de cirurgias, importa o bem-estar físico e emocional. É o que explica a geriatra Beatriz Cardoso de Melo Tucunduva Margarido: “Se a pessoa está cercada por bons relacionamentos, é mais fácil. A maior parte dos idosos fica em casa por falta de opção, por não conseguir mais sair sozinho, por ter filhos trabalhando. Por isso falamos tanto em prevenção, na prática de atividade física e na importância de se manter ativo, para evitar vulnerabilidade física no futuro.” Confira:
Por que Geriatria?
Eu sempre gostei muito da abordagem holística, ver a pessoa como um todo. Os especialistas ficam mais em um segmento, não era o que eu queria. A Geriatria ainda é uma especialidade nova no Brasil e no mundo. Nos Estados Unidos, mal existe a figura do geriatra como temos aqui no Brasil.
Como deve ser o relacionamento com os mais velhos?
Eu já estava acostumada com a minha avó, com quem eu era muito ligada, e que teve Alzheimer. Quando você vive na pele o problema, se sensibiliza mais. Eu tenho mais dificuldades com jovens do que com velhos. Tenho paciência para ouvir histórias; o problema é que a família ouve a mesma história várias vezes. A maioria idosos reclama, mas se você pergunta objetivamente se querem estar vivos – pergunta que se faz para rasteio de depressão – 90 % dizem que sim.
Com geriatras, os pacientes economizam consultas?
Não há uma conduta homogênea no Brasil como deveria ser, mas a ideia é que o geriatra atenda a quase tudo. É muito fácil identificar o paciente que você precisa encaminhar para um especialista; geralmente aqueles com problemas de coração mais graves, com doenças raras ou diabéticos. A maior parte dos pacientes tem questões mais comuns e só precisa do acompanhamento do dia a dia. O problema é que geriatra ainda é uma especialista que ainda não existe em vários lugares do país. Um cardiologista, por exemplo, sempre tem.
Qual é o maior desafio de envelhecer com qualidade de vida?
Digo com segurança que á a atividade física. As pessoas ainda não perceberam que é preciso fazer desde sempre, não sabem como fazer, o que é recomendado de fato para determinada idade ou condição física. Então não fazem, e a massa muscular produzida ao longo da vida faz toda diferença. Atividade física é essencial, nunca é tarde para começar. Em alguns casos é preciso acompanhamento de um profissional especializado.
Tem uma atividade ideal?
O que eu mais enfatizo durante a consulta é a vida ativa, é tentar fazer com que o exercício físico esteja na sua rotina, como se levantar para ligar ou desligar a TV, subir escada em vez de usar elevador. Caminhar é bom, mas claro que ruas e calçadas também apresentam riscos, as pessoas têm medo, se sentem inseguras. O nosso país em relação à segurança está muito ruim para os idosos, e para todos em geral.
Você acha que as pessoas têm hoje mais qualidade de vida?
Sim, temos mais informações até no dia a dia básico, como o acesso à tecnologia, por exemplo. O idoso está com mais qualidade de vida, mas ainda há muito para fazer. Os remédios ajudam, mas chegam até um limite. Dor é muito frequente e determinante de qualidade de vida. Não morrer não é viver bem.
Qual o maior medo dos pacientes?
É sofrer, e numa esfera muito ampla. Dizem que não se importam de morrer, mas que não querem sofrer, e isso aumenta com a idade. Medo do abandono, de ficar em um hospital, de ter uma doença que prejudique a memória.
Onde entra a questão do propósito de vida?
Hoje temos muito respaldo de literatura mostrando que ter propósito faz muita diferença. É fato que você viva mais e melhor, mas como saber o que é um propósito de vida? Para algumas pessoas e espiritualidade ajuda muito. Também é essencial estar inserido em uma comunidade, seja de amigos, de bairros. Um bebê traz muita energia e alegrias para a família. A vida pode mudar e o que não fazia sentido pode se modificar.
A morte ainda é um tabu?
Sim, é bem complicado. Apesar de tentar durante as consultas falar de prevenção, também é importante falar sobre assuntos difíceis como o final da vida. Nesse aspecto, estamos em um momento de muita imaturidade. O normal é a pessoa estar com um familiar de 90 anos e não sabe o que ele quer, as preferências nos momentos finais. Aí é um longo trabalho para resgatar valores daquele paciente, sua história de vida para tentar saber como ajudar quando está vulnerável e não pode mais escolher.
Mulheres envelhecem melhor do que os homens?
Pela prática no consultório, acredito que os homens sofrem mais solidão do que as mulheres. O propósito deles é o trabalho, e quando se aposentam ficam perdidos, o cotidiano fica vazio e eles não conseguem preencher. As mulheres vão atrás do que gostam, buscam hobbies, têm grupo de amigas, conseguem se adaptar melhor à nova realidade. E a mulher também vai mais ao médico, cuida melhor da saúde.
E como o geriatra pode ajudar mais?
Acho que nisso a abordagem do geriatra é diferente. Um paciente que está bem, não tem doenças graves e toma pouco remédio não vai morrer, mas é preciso ver como está o sono, a alimentação. A vida tem que estar boa na velhice também. O geriatra faz Clínica Médica e depois Geriatria, ele vai focar no doente como um todo, sem pedir exames em exagero, sem deixar o paciente tenso com o que não vai fazer a diferença, fora o custo para o paciente e para o sistema de saúde mesmo.
E quando a pessoa não pode mais ficar em casa?
Ainda é um tabu, culturalmente o brasileiro tem preconceitos contra Instituições de Longa Permanência, ao contrário da Europa e dos Estados Unidos. Não há certo ou errado. A questão que deve ser discutida é entender se o paciente está bem assistido. Não adianta estar em casa e não estar sendo atendido como deveria.
O que é envelhecer com qualidade de vida?
É envelhecer com um mínimo de sintomas, desconforto físico, que isso traz muita queda na qualidade de vida. É importante estar consciente do seu legado, o que fez para os outros, trabalhos voluntários. A segurança financeira é outro ponto que não pode ser deixado de lado. Não dá para deixar para depois, tem que se preparar desde cedo e pensar na velhice. O Estado não dá conta, como deveria, de cuidar de todos.