quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
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Adilson Luiz Gonçalves

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Relação Porto-Cidade – Urgências

Participei da 19º Conferência da Associação Internacional de Cidades e Portos, em Lisboa. Fui uma proveitosa oportunidade de conhecer experiências, propostas e projetos de cidades portuárias mundo afora, algumas bem interessantes.

Antes disso, fiz parte de um grupo criado pela Antaq, em parceria com a GIZ, órgão de fomento do governo alemão, cujo objetivo era de permitir que vários setores relacionados direta ou indiretamente ao Porto de Santos (SP) apresentassem suas percepções sobre o mais importante complexo portuário do país e suas interfaces.

Esse estudo é um desdobramento da análise sobre impactos das mudanças do clima em 21 (vinte e um) portos públicos brasileiros, aprofundada para os de Aratu (BA), Rio Grande (RS) e, no caso, Santos.

O grupo local era composto por representantes de entes públicos, privados, acadêmicos e sociedade civil, inclusive comunidades locais, de maneira a conhecer percepções e expectativas de forma ampla. As pessoas foram distribuídas em subgrupos propositalmente mesclados, de forma que as visões fossem compartilhadas, levando a uma necessária reflexão sobre conceitos. Considerando que a falta dessa visão holística tem sido responsável por vários conflitos na relação porto-cidade, essa formatação foi de extrema felicidade, com resultados imediatos, positivos, nas conversas entabuladas.

Numa das oficinas elaboradas pela organização do estudo, o objetivo era definir quais eram as urgências a serem consideradas. Das contribuições feitas, as dez mais mencionadas foram relacionadas, na seguinte ordem, sobre as quais farei algumas considerações, com base em minha experiência, inclusive quanto ao evento da AIVP:

  1. Dragagem e erosão das praias – Os dois assuntos estão em pauta no âmbito da Cidade e do Porto de Santos. A dragagem de aprofundamento até -16m será contratada pela Autoridade Portuária de Santos (APS) em 2025. A até -17m entrará no escopo de uma futura concessão do canal de navegação, cujo processo licitatório está previsto para 2026. Manifestação recente do ministro de Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho, sobre a ligação seca Santos-Guarujá, sugere que a dragagem poderá atingir até -20m, o que permitirá o acesso de navios de maior porte, com melhor aproveitamento de sua capacidade de carga. Quanto à proteção costeira, a APS assumiu compromisso de recuperar e expandir o projeto-piloto com geobags existente na Ponta da Praia, ora em estudo pela Unicamp. Outra soluções poderão ser estudadas, que associem a proteção da orla à melhoria do acesso ao complexo portuário;
  2. Ampliação do porto e a preservação de áreas de vegetação nativa – O Porto de Santos não é fundamental apenas para a economia e geração de empregos das cidades da Região Metropolitana da Baixada Santista, mas para o Estado de São Paulo, toda a sua significativa hinterlândia e Brasil. Limitar sua expansão sustentada para áreas disponíveis no em torno, e a ampliação de seus acessos terrestres prejudicará substancialmente sua competitividade futura, com repercussões econômicas e sociais negativas, o que também prejudicará a proposta de preservação ambiental. Explico meu ponto de vista: a economia brasileira depende fundamentalmente de seu sistema portuário. Se os portos existentes tiverem sua expansão restrita, outros portos precisarão ser criados, incluindo suas infraestruturas de acesso. Se isso também for limitado, a economia nacional poderá entrar em colapso, gerando desemprego que pode resultar em ocupação irregular de áreas ambientalmente preservadas, ou que se quer preservar. A solução em construir moradias? Sim, mas para tanto é preciso que a economia seja robusta, para que os financiamentos decorram de compensações de empreendimentos e/ou da arrecadação tributária. Assim, a expansão sustentada dos portos é uma opção que tende a ser menos impactante do que a criação de novos complexos portuários. Não faltam exemplos de cidades portuárias de países desenvolvidos que fizeram essa opção estratégica.
  3. Elevação do nível do mar e seus impactos nas operações e no em torno – As projeções de elevação do nível do mar são preocupantes, e terão implicações na operacionalidade dos berços de atracação existentes, também podendo afetar seus acessos terrestres. As cidades costeiras, não apenas as portuárias, precisam avaliar esses impactos, para definirem estratégias de acordo com seu nível de antropização. A cidade de Santos possui a Comissão Municipal de Avaliação de Impactos da Mudança do Clima (CMMC). Aliás, a sugestão de inclusão dos portos nos estudos do Governo Federal sobre impactos das mudanças do clima partiu dessa comissão.  Em muitos casos, as soluções são adaptativas, seja por meio de obras de proteção costeira naturais ou artificiais. O projeto-piloto de geobags da Ponta da Praia, sua manutenção e expansão não excluem outras soluções futuras. 

A Cidade de Santos vem executando obras de drenagem na Zona Noroeste, que incluem sistema de bombeamento. Não é diferente do que os Países Baixos fazem desde o século XIII, com seus moinhos de vento. A adoção de medidas de adaptação efetivas depende da disponibilização de dados confiáveis dos sistemas de drenagem dos municípios que ocupam a da Ilha de São Vicente (Santos e São Vicente) e do Porto de Santos. O sistema de drenagem da porção insular de Santos é integrado há mais de um século com o da margem direita do Porto. 

Também é necessário monitorar as mudanças do clima, o que vem sendo realizado por APS, Praticagem e NPH-Unisanta, entre outros entes especializados do Estado e União. As previsões do NPH-Unisanta têm sido utilizadas pela Prefeitura de Santos para mitigar o efeito de ressacas na mobilidade urbana e em patrimônios públicos e privados. A implantação do VTMIS pela APS terá importante papel nesse contexto. De posse desses dados, constantemente atualizados, o passo seguinte é alimentá-los em simuladores numéricos e físicos, que permitam avaliar cenários climáticos e o resultado teórico de alternativas de adaptação, de maneira a identificar as de melhor eficácia, que nortearão decisões gerenciais. 

Tão importante quanto avaliar os impactos da elevação do nível do mar nas operações portuárias e no em torno, é considerar os eventos climáticos extremos, que incluem ressacas, tempestades, ventanias e afins. O aumento da frequência e intensidade desses eventos demanda ações adaptativas, principalmente sob forma de obras de Engenharia e, no caso das operações portuárias, também da matriz de cargas. A operação de granéis sólidos é diretamente afetada por ventos e chuvas, mesmo que de baixa intensidade. Esse tipo de “commodities” ainda é predominante no Porto de Santos. Esses fenômenos tendem a ser menos prejudiciais às operações de contêineres, veículos e cargas de projeto, todas de maior valor agregado. Daí a proposta de agregar valor às cargas operadas pelo Porto de Santos, com a implantação de atividades de porto-indústria, associadas ou não a uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE), em áreas próximas ao complexo portuário. Essa proposta, além de integrada às diretrizes dos governos Estadual e Federal de reindustrialização e neoindustrialização do País, tornará o Porto de Santos menos dependente do agronegócio, que já tem os portos do Arco Norte como destino alternativo, além de rotas bioceânicas em implantação.

  1. Estruturas de acesso à área portuária ruins, comprometendo o transporte do porto e transporte público – Um problema que precisa ser melhor equacionado na relação porto-cidade é a comunicação social. Outro é a burocracia e restrições ambientais que envolvem a viabilização de investimentos em infraestrutura e novas atividades econômicas. Existem estudos sobre obras viárias de interesse portuário, municipais e metropolitanos. Também existem obras em andamento. Seguem alguns exemplos: Túnel subaquático Santos-Guarujá, cujo licenciamento ambiental está em vias de conclusão e a licitação deverá ocorrer em 2025, numa PPI, com participação equilibrada entre o Estado de São Paulo e a União; obras da Avenida Perimetral da Margem Esquerda do Porto de Santos, em Guarujá, que também estão previstas para 2025; viaduto dos fundos a Alemoa, que deverá ser executado pelo Governo do Estado, por meio do contrato de concessão da Ecovias, obra que melhorará a mobilidade naquela área retroportuária, permitirá a implantação de transporte público regular e viabilizará rota de fuga, em caso de acidentes; novo acesso à margem direita do Porto de Santos, que deverá ser executada pelo Governo do Estado, também por meio do contrato de concessão da Ecovias; e obras de remoção de passagens em nível de veículos e pedestres, sob responsabilidade da Ferrovia Interna do Porto de Santos. 

Além disso, estão em discussão novos acessos entre o planalto e a Baixada, rodoviários e ferroviários, de cargas e passageiros, que deverão ser apresentados nos próximos anos, segundo o Governo do Estado. O futuro Aeroporto Regional de Guarujá também tem potencial para operar cargas de alto valor agregado, que poderão ser produzidas numa ZPE que seja instalada na área continental de Santos, como ramificações em outros municípios. Santos é considerada apta a sediar uma ZPE desde 2017, e existem estudos com esse intuito.

  1. Armazenamento e transporte de cargas perigosas – O desastre ocorrido em Beirute (nitrato de amônio), embora decorrente de um conjunto de erros absurdos, tem sido motivo para questionamentos. Esse produto, de grau fertilizante (mais seguro do que o grau técnico, utilizado para o fabrico de explosivos), é estocado apenas em um terminal do Guarujá, sob supervisão das Forças Armadas. De outra forma, a descarga é feita diretamente para fora do complexo portuário. A Prefeitura de Santos possuiu legislação que define as vias por onde essas cargas podem circular. No entanto, dentro de terminais portuários e retroportuários é difícil a fiscalização. No caso de estocagem, a emissão de alvarás de funcionamento depende do tipo de carga que prevista. 

Outro assunto que tem despertado preocupação e, em alguns casos, alarmismo, é a unidade de regaseificação de GNL, instalada no Canal do Estuário. A preocupação com a manipulação de produtos perigosos é pertinente, e os licenciamentos ambientais e fiscalizações subsequentes tem o objetivo de reduzir riscos nessas operações. 

No caso de armazenagem em pátios de contêineres, é importante destacar que ela deve obedecer o mesmo regramento utilizado em embarcações, para evitar a proximidade entre unidades que armazenem produtos potencialmente reativos. Nesse caso, a dificuldade está em fiscalizar se esses cuidados estão sendo adotados corretamente. Nesse caso, essa atribuição cabe aos órgãos licenciadores e fiscalizadores pertinentes. Também é indispensável que os responsáveis pelo porto e terminais cuidem para que projetos, execuções, operações, manutenções e atualizações sejam procedidos de forma tecnicamente adequada, de maneira a assegurar segurança em todos os aspectos, além de manter estrutura de atuação em caso de emergências.

  1. Questão das palafitas (casas sustentadas por estacas na margem do rio) – Inicialmente, entenda-se “rio” como Canal do Estuário e seus afluentes, no caso do Porto. Já está em andamento plano de transferência de famílias que ocupam a área conhecida como “Prainha”, em Guarujá, para habitações adequadas, em áreas urbanas do mesmo Município. Esse processo tem por objetivo liberar essa área, que integra a Poligonal do Porto Organizado de Santos, para adensamento portuário. Também há estudos para a transferência de famílias da ocupação conhecida como “Vila dos Criadores”, no Bairro Alemoa, em Santos, na área do antigo aterro sanitário de Santos, para área urbana no mesmo município. Esse estudo prevê a transferência de ocupação portuária desconforme, segundo a legislação de uso e ocupação do solo de Santos (terminal de contêineres em área urbana), para a área do antigo aterro sanitário, que é tem uso portuário previsto no zoneamento municipal, e que a APS postula incluir na Poligonal do Porto Organizado. Embora não haja vínculo com o porto, a Prefeitura de Santos possui o Projeto Palafitas, que prevê a transformação de área ocupada por esse tipo de edificação precária, ao longo do Rio São Jorge, na Zona Noroeste, por uma urbanização baseada no mesmo sistema, mas com infraestrutura e edificações adequadas. Não consta haver outras áreas passíveis desse tipo de intervenção.
  2. Modos de transporte e poluição do ar – Novamente, há necessidade de melhorar a comunicação sobre iniciativas previstas e em andamento. A implantação da Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS), em conjunto com as renovações de concessões de ferrovias que acessam o complexo portuário, permitirá que esse modo de transporte aumente significativamente sua participação nas operações portuárias, dos atuais cerca de 24% para algo em torno de 40%. A implantação de abastecimento de energia elétrica para navios por terra (Onshore Power Supply – OPS ou cold Ironing) permitirá reduzir as emissões poluentes de embarcações atracadas. Recentemente o Porto de Santos passou a disponibilizar OPS para rebocadores. Portos europeus pretendem disponibilizar vários tipos de combustíveis de transição e verdes para embarcações (GNL, metanol, amônia, hidrogênio, etc.). No caso de Santos e do Brasil, a utilização desses combustíveis depende de regulamentação da ANP. A APS implantou e está aprimorando sistema de monitoramento ambiental. Esse sistema permite identificar emissões acima dos limites aceitáveis, e acionar medidas mitigadoras. Também é importante destacar que os termos de referência de arrendamentos portuários, novos e renovações, inclui compromissos de investimentos em tecnologias de ponta no âmbito do controle ambiental.
  3. Desconhecimento das comunidades das atividades do porto – Uma vez mais, a questão da comunicação é relevada. Cabe à APS promover de forma mais ampla e objetiva a difusão de suas atividades e de sua importância regional, nacional e mundial, como principal complexo portuário do Brasil, e principal atividade econômica da região, e maiúsculo gerador de empregos. Recentemente, a Prefeitura de Santos e a APS criaram o Projeto Porto à Vista, que tem por objetivo permitir contato de alunos da rede municipal com o complexo portuário. A APS também dispõe de um programa de visitas ao porto, mediante agendamento. Isso além das matérias veiculadas nas mídias sociais locais e nacionais, e publicações especializadas. A implantação do Parque Valongo, uma parceria entre a Prefeitura de Santos, a APS e terminais portuários, com a anuência do Ministério Público, permite acesso da população à linha d’água, favorecendo à consolidação da identidade portuária da população santista. Nele, além de áreas de lazer e de contemplação, são realizados eventos públicos. Reiterando, as iniciativas existem, mas podem e devem ser aprimoradas e todos os níveis, inclusive em comunidades mais afastadas de centros urbanos, mas que são afetadas de alguma forma pelas operações portuárias.
  4. Safra de grãos, que gera resíduos na principal pista da cidade portuária, gerando acidentes e proliferação de ratos e pombos – Os produtos do agronegócio são os principais itens de exportação do Brasil, e o Porto de Santos o principal polo de escoamento de vários deles. No caso de granéis sólidos agroalimentares, houve sensível redução da emissão de material particulados nas operações portuárias. O incremento do transporte ferroviário, com a utilização cada vez maior de vagões do tipo hopper, reduziu a queda de resíduos em vias públicas. Porém, no âmbito rodoviário, a presença de caminhões com carrocerias convencionais ainda é alta, os quais são descarregados em tombadores. 

Apesar dos procedimentos pós-descarga, que incluem vibração da carroceria e jateamento com ar comprimido, ainda restam resíduos de grãos e faremos que acabam sendo despejados ao longo do trajeto fora do terminal portuário. No caso de descarga de fertilizantes, que normalmente ocorre em cais público, utilizando veículos antigos, as perdas também são comuns. 

A limpeza das áreas portuárias deve obedecer procedimentos específicos, sendo proibido despejar resíduos no Canal do Estuário. Desníveis nos pavimentos provocam empoçamentos, em dias chuvosos. Os resíduos de grãos em presença de umidade entram em estado de putrefação, exalando odores desagradáveis, o que é outro problema a ser considerado. Assim sendo, a melhoria do sistema de drenagem é necessária. Quanto ao combate a pragas, ele tem restrições ambientais bastante rígidas. A eliminação dos fatores de atração favorece esse processo, mas ainda há que serem aprimorados os meios de transporte, as operações e os processos de limpeza. 

  1. Burocracia entre processos e instâncias – Embora esse não tenha sido o tema mais votado, ele é determinante em praticamente todos os anteriores. O arcabouço legal brasileiro tem prejudicado a atração de investimentos e o próprio desenvolvimento sustentado do Brasil frente a demandas internas e externas. A instabilidade jurídica e restrições ambientais draconianas têm atrasado, interrompido ou inviabilizado a implantação de obras de infraestrutura e empreendimentos estratégicos para o País. A superação das impedância atuais e a simplificação de processos demanda revisão da legislação pertinente, porém esse processo tende a ser demorado, em nível federal. Em algum momento esse problema precisará ser adequadamente enfrentado, para que o desenvolvimento sustentado seja fomentado, com a brevidade e responsabilidade que o País precisa.
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