domingo, 12 de janeiro de 2025
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Luiz Dias Guimarães

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O luto dos predadores

Acordo triste por Tahlequah, solidário a seu luto. A orca, cuja espécie é notória predadora, tem sido vista no mar do Pacífico carregando pela barbatana a cria morta. É sua sina. Em 2018 Tahlequah conduziu por dezessete dias um filhote morto, evitando que as fortes correntezas arrastassem o corpo e o transformassem em sombria memória.

A notícia do novo infortúnio me trouxe à tona a realidade do sofrimento de espécies que não falam meu idioma. Pensei nos porcos, cujo abate hoje é revestido de cuidados para não sofrerem tanto. Eles pressentem a morte e gemem alucinadamente na fila do destino. Agora estudos mostraram que são mais sensíveis e inteligentes que nossos afetuosos e fiéis cães.

Tenho vontade de não mais comer carne de porco. A verdade destrói a ilusão. Lembro a vez em que o semanário Pasquim publicou uma charge em que um garoto se deparava na cozinha com um frango depenado pela mãe e exclamou: “Nossa!, um cadáver de galinha!”.

Cada vez mais descobrimos o quanto os animais ditos ‘irracionais’ são por vezes mais sensíveis e inteligentes. A internet traz diariamente imagens de mães fazendo proezas para salvar ou defender suas crias na geleira, na cachoeira, na beira do pantanal contra predadores.

Predadores somos todos. A única diferença está nos métodos. Os predadores humanos me lembram poema de Drummond sobre um acidente aéreo, que diz: “A morte dispôs poltronas para o conforto da espera”. Mais ou menos como fazemos com os porcos. E diferente de como, ainda hoje, na roça, esganamos as galinhas.

Em geral somos predadores para que outros, à distância, se alimentem, exceto as iguarias do mar que muitas vezes matamos por esporte como a jibóia engole sua presa e a digere longamente. Ou caranguejos, que cozinhamos vivo para ter a certeza de que sua carne não nos fará mal.

Sei o quanto é indigesta a realidade da sanha predatória, que não gostamos de lembrar. Mas fora o aspecto de sobrevivência física, que até já levou homens a praticarem antropofagia, como na época em que não tínhamos ainda domínio da palavra, somos iguais ou às vezes mais irracionais que detentores de patas, guelras, asas e barbatanas.

O mundo lúdico infantil mostra histórias como Rei Leão onde os personagens nos imitam praticando palavras e às vezes são mais humanos que pais, mães e filhos, frequentemente atores de bárbaros crimes ou abandono. Mas o mundo animal também não é perfeito. Li, por exemplo, que o corvo, da mesma maneira que se afeiçoa a quem o trata bem, dispõe de memória fotográfica daquele que o maltrata e é capaz de transmitir aos descendentes o ódio infindável que nutre pelo detrator.

E para não dizer que acordei azedo hoje com a humanidade, me deparo com a notícia do homem preocupado com o meio ambiente e o conforto na diversão. Pois não é que, dizem, os parques da Disney instalaram sensores térmicos que denunciam quando alguém, mesmo criança, solta um pum? A flatulência é penalizada com advertência e até expulsão!

Trata-se neste caso não apenas do conforto olfativo dos frequentadores. Mas de uma contribuição contra o buraco de ozônio. Aliás, li há dias também sobre práticas genéticas implementadas na Europa para conter a emissão de gases pelos bovinos que, eu já sabia, são importantes co-responsáveis pela crise ambiental. Ao menos a alfafa não provoca gritos esganiçados diante da morte. Esta, que de variadas maneiras, nos iguala na dor e no luto.

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