Terceira pista da Imigrantes
A divulgação do traçado da terceira pista da Imigrantes, pelo Governo do Estado, veio como um nem tão tardio presente de Natal para a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), com ênfase no Porto de Santos.
As conexões previstas com o Rodoanel e com a Rodovia Cônego Domênico Rangoni resultarão em redução da demanda das pistas atuais do SAI, além de aumentar a capacidade de escoamento de cargas, uma necessidade premente para o futuro da economia da RMBS, do Estado de São Paulo e do País.
É uma obra que vem com cerca de vinte anos de atraso, é verdade, mas que tem a proposta de atender os fluxos futuros com relativa folga, sem prejudicar os acessos atuais, já bastante comprometidos. A conexão com a Domenico Rangoni tem essa função, mas essa rodovia deverá ser avaliada, pois precisará ter sua capacidade aumentada, com base em outros cenários. Isto porque o fluxo de cargas para a margem esquerda potencializa a ocupação da área continental de Santos, além de áreas disponíveis para plataformas logísticas e industriais em outros municípios da região.
Por que é necessário prever esses cenários?
Ora, o agronegócio já tem a opção de escoamento pelo Arco Norte, e as propostas de criação de ligações rodoviárias e ferroviárias bioceânicas estão em pauta. São opções para a exportação da produção agropecuária. Isso não impede que o Porto de Santos continue a ser um dos principais polos de exportação de granéis agroalimentares, commodities de baixo valor agregado. Os investimentos em expansões e novos terminais especializados no Porto de Santos demonstram essa tendência.
Novos acessos terrestres à RMBS são uma reivindicação antiga, como já mencionado. Que eles tenham foco em carga e mitiguem os gargalos logísticos atualmente existentes é uma premissa. Acessar preferencialmente a margem esquerda é basilar para assegurar a expansão sustentável da economia da região, sob pena de uma perigosa estagnação, de consequências problemáticas para a RMBS e o Estado de São Paulo.
São Paulo tem apenas dois portos: Santos, federal, e São Sebastião, delegado ao estado. São Sebastião tem limitações quanto ao seu potencial de expansão, o que não impediu investimentos na Rodovia dos Tamoios. Investir numa nova ligação com o Porto de Santos é, também, de interesse do Estado, que vem correspondendo às expectativas de forma dinâmica e objetiva, o que demonstra uma leitura estratégica coerente do atual governo.
Ainda considerando a margem esquerda, a área continental de Santos tem potencial para implantação de uma Zona de Processamento de Exportação – ZPE. A cidade está apta a sediar esse tipo de instalação desde 2017, um primeiro e fundamental passo para sua concretização.
A terceira pista da Imigrantes, conectada à Domênico Rangoni, torna esse potencial ainda mais atrativo, posto que a lei de uso e ocupação do solo da área continental já prevê esse tipo de ocupação. Além disso, o tema ZPE consta no Plano de Metas do Governo Municipal 2021-2024, mantido no de 2025-2028.
A partir de 2021, a legislação de ZPE permite que ela seja criada por municípios, estados, ambos ou pela iniciativa privada. Em tese, não estão descartadas soluções híbridas.
O pleito de criação de uma ZPE deve ser encaminhado ao CZPE, incluindo um estudo de viabilidade técnico-econômico, um terreno próprio e ao menos um projeto industrial comprometido. Uma vez aprovado pelo CZPE, este encaminha à Presidência da República, para que seja providenciado um decreto autorizando a criação da ZPE. A partir daí, começam a contar os prazos legais.
Considerando que a mudança do clima pode impactar as operações de granéis sólidos nos portos, não apenas no de Santos, é fundamental avaliar o potencial de inclusão de cargas de maior valor agregado na carteira de exportações do Brasil. O Estado de São Paulo, o mais industrializado do País, não pode desprezar essa opção, que também tem a ver com desenvolvimento científico e tecnológico, que também integra seu perfil econômico.
Desde o início das tratativas sobre a Terceira Pista da Imigrantes, sempre alertei sobre a importância de que a área continental de Santos fosse considerada nos estudos.
A Rodovia Cônego Domênico Rangoni corta essa área, que também tem acesso ferroviário.
A legislação de ZPE considera a proximidade de portos e aeroportos como trunfo logístico, além de permitir que sua área seja fragmentada em terrenos com distância máxima de 30 km entre si. No caso da área continental de Santos, existem o Tiplam, o TUP da DP World, e parte do TUP da Usiminas. Além disso, em Guarujá há o futuro aeroporto regional, que também tem potencial para operar cargas, o terminal da Santos Brasil. Assim, a produção da ZPE terá terminais portuários públicos e privados à sua disposição, bem como o modo aeroviário.
A área continental de Santos tem outra vantagem: dispõe de linha d’água, ou seja, quem implantar a ZPE pode avaliar a construção de um terminal portuário próprio, a exemplo do que a ZPE de Aracruz/ES, privada (Imetame), está construindo.
Esse cenário seguramente é favorável à atração de investimentos nacionais e internacionais, incluindo atores de vários setores da infraestrutura, nacionais, inclusive locais, e internacionais, sob forma de consórcios e afins.
Também é importante considerar que o licenciamento ambiental da Terceira Pista da Imigrantes poderá favorecer o da ZPE, dentro ou fora de seu escopo.
Conciliar a construção da nova pista com a implantação da ZPE me parece racional, bem alinhada com a proposta de industrialização/neoindustrialização do Brasil.
O Porto de Santos continuará a receber cargas do agronegócio abaixo do paralelo 16⁰S, mas esse tipo de carga é bastante sensível à mudança do clima. Além disso, tão ou mais importante do que aumentar a tonelagem movimentada pelo Porto de Santos, é agregar valor. Isso sem falar na produção científica e tecnológica associada às ZPEs.
A produção de uma ZPE tende a ser majoritariamente exportada por contêineres. As cargas de projeto, que hoje acessam o porto de forma lenta, sujeitas a restrições geométricas e horários reduzidos, poderão vir em contêineres (CKD) e montadas na ZPE, quando não produzidas localmente, o que reduzirá ainda mais os custos logísticos.
Às vantagens de uma ZPE se somam a geração de empregos e a potencial produção de patentes.
Esse potencial pode e precisa ser avaliado, e o cenário atual é propício para tanto, pois estamos saindo do campo das hipóteses para o de projetos efetivos, caso também da ligação seca Santos-Guarujá. Mas é bom lembrar que não estão descartadas novas ligações terrestres entre o planalto e a RMBS, ao sul, duplicações e soluções viárias locais, como o túnel do Maciço Central, em Santos, e que tudo isso deve estar em sintonia com o aprofundamento do Canal do Estuário para -17m que, ao que consta, está bem encaminhado.
Essa “conjunção de planetas” é uma oportunidade que não pode ser perdida, pelo bem da RMBS, do Estado de São Paulo e do Brasil.