Desafortunados que somos
“É o conteúdo do novo milênio, que manipula as cabeças com falsas verdades, muitas das quais nem consigo desconfiar. O conteúdo destrói reputações, desacredita líderes e transforma outros em olimpianos que pretensamente salvarão o mundo. Viramos idiotas, escolhendo irracionalmente um lado. Direita e esquerda jogam no campo da mentira e da ilusão de que vão nos salvar”
Sou dinossauro perdido no milênio. Tento me encontrar, ainda que muitas novidades eu despreze, como bitcoins, tigrinho e renda na internet, essa que faz a alegria da Lamborghini. Não sigo influencers milionários, no árduo trabalho de nos iludir. Agora, então, com a IA, é a corrupção da verdade, o dilaceramento da imaginação fabricada nos meus sonhos.
O carrossel manipulado do algoritmo tenta me enganar, ou destruir meus alicerces de crença, confiança e dieta. Nem sei mais o que comer ou beber. Quando um dito especialista diz que água de garrafa pet me inflama, sou invadido por um rebanho de matracas dizendo o mesmo.
É o conteúdo do novo milênio, que manipula as cabeças com falsas verdades, muitas das quais nem consigo desconfiar. O conteúdo destrói reputações, desacredita líderes e transforma outros em olimpianos que pretensamente salvarão o mundo. Viramos idiotas, escolhendo irracionalmente um lado. Direita e esquerda jogam no campo da mentira e da ilusão de que vão nos salvar.
A linguagem, então, nunca foi tão renovada. A globalização e a pressa agridem os atributos de Machado de Assis. A precariedade do saber tbm. Vdd que a língua é viva, mas assim rouba a poesia e o romance. José de Alencar, clássico influencer dos folhetins, foi destronado pelas novelas, depois pelas séries e agora pelos fabricantes de mentiras. Os posts de aparência tão real contaminam a ideologia e o bom senso.
Política à parte, soluções miraculosas dão vergonha ao vendedor de remédio para calos perdidos na rua como o papagaio do realejo. A sorte tirada no bico inspirava meu dia. O post despejado no meu celular me vicia a crer que estou antenado no mundo.
Já que vivo no universo da mentira, garimpo cada mensagem sem muitas vezes saber se realmente a Disney proibiu soltar pum nos seus parques. Mário Quintana aconselhava os verdadeiros poetas a não lerem outros poetas, mas sim, os pequenos anúncios de jornal. Quase não existem mais jornais, por isso cato feijão entre as postagens que me assolam.
E minhas preferidas são as que produzem riqueza com alegria. Cela, a loirinha que fala aos desafortunados, é tão crível que vira notícia e fatura milhões. Não sei se falar loirinha e desafortunados fere a bíblia woke tão chata, mas Cela me diverte e mostra sua inteligência ao explorar com memes o pouco que ainda me resta de alegria neste milênio que está prestes a extinguir os jurássicos dinossauros.
Realmente, ao praticar sua ironia, a menina despeja a única e irrefutável verdade, de que desafortunados somos todos, ainda que não nos faltem riquezas. Desafortunados da verdade e do poder de discernir neste mundo fake que a todos contamina com a ilusão de que o admirável mundo novo chegou para fazer mais felizes as gerações millennium, Z, enzo e diamantes. No fundo, frutos e vítimas da miscelânea das nossas cabeças e corações.