Adeus ao carro de boi
O Brasil quer e precisa acabar com o carro de boi. Não em nosso poético imaginário. Não no dia a dia de tanta gente no sertão. Mas sim no progresso do celeiro do mundo. Dois novos ministros podem vaticinar esse futuro.
Uma das músicas que mais me inspiram na vida é Carro de Boi na voz de Milton Nascimento. “Que vontade eu tenho de sair/Num carro de boi ir por aí/Estrada de terra que/Só me leva, só me leva/Nunca mais me traz/Que vontade de não mais voltar…” Mais adiante: “Pés no chão e os olhos vão/Procurar, onde foi/Que me perdi…”
Afora meu eterno ímpeto de ir por aí, penso onde foi que nosso País se perdeu nos caminhos do progresso. Quase um século atrás já tínhamos pouco menos dos atuais 30 mil quilômetros de ferrovias que traziam aos nossos portos o ‘ouro branco’, grãos de café que brilhavam esperança. Os Estados Unidos, nascidos mais ou menos na mesma época, com território equivalente, dispõem de 250 mil quilômetros. E a China, então, nem se fala. Em poucos anos riscou freneticamente seu mapa com tantas ferrovias.
O novo ministro Renan Filho, dos Transportes, acaba de anunciar seus planos dos 100 dias. Fico entusiasmado com a disposição de aumentar a participação do modal ferroviário de pouco menos de 20 por cento para 40 por cento até 2035, logo ali. Entusiasma-me também sentir disposição de dar continuidade a alguns projetos fundamentais no setor, afinal os projetos estão acima dos governos, como aprendi uma vez com um dirigente de Barcelona.
É lícito fazer alguns ajustes. Cada um ajeita o chapéu na sua cabeça. É indispensável mesmo destravar sonhos como o Ferrogrão.
Vivo um tempo de ironia. Nossas ferrovias perderam espaço para as rodovias. Lobby do petróleo, da indústria automobilística e da moda. Eu sou da moda antiga, e sinto falta dos trens em minha vida. Agora os dois modais caminham juntos no mesmo ministério e há de se integrá-los. O ministro fala em duplicar as grandes rodovias e delas tirar tantos caminhões para viajarmos com mais segurança.
Sinto nas notícias um embate ainda: as hidrovias. O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, tenta criar uma secretaria específica para elas. Enquanto Renan Filho defende que o setor fique no guarda-chuva do seu ministério. A natureza do modal combina mais com o universo dos portos.
Mas isso não importa. Esteja onde estiverem as portas dos nossos rios, abrigando as barcaças do que se gera mata adentro, o fundamental mesmo é que ambos os ministérios trabalhem juntos, numa ampla sinergia que consagre a intermodalidade.
Muita conversa é o que espero nestes novos tempos. Entre ministros e técnicos. Entre Governo e aqueles que movimentam a ampla cadeia do desenvolvimento. Não nos faltam especialistas. Não nos faltam empreendedores. Não nos faltam idealistas. Márcio França deu o exemplo ao sentar-se à mesa com os conselheiros do Brasil Export e com as lideranças dos que, na beira do cais, carregam literalmente os frutos do que se produz aqui e mundo afora.
Assim, avançando os projetos juntos e harmonicamente, estarão nossos sonhos se transformando em realidade. Hoje, ainda, só consigo desejar que um dia o carro de boi seja para nós apenas uma figura de linguagem que faz espíritos como o meu terem tanta vontade de ir por aí.