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“A escrita me faz chegar em casa”

Atualizado em: 22 de julho de 2023 às 12:45
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor
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É bom demais ler Natalia Timerman, mesmo quando seus temas são difíceis como morte, luto, doença. “As minhas questões mais difíceis, que mais me atormentam porque não sei como solucioná-las, são meu mais rico manancial de escrita”, ela diz. E a prova é o recente “As pequenas chances”, pela Editora Todavia, que chega em agosto. Ela narra acontecimentos insignificantes que, vistos pela lente do tempo, formam um retrato belo e doloroso da relação de uma filha com o pai que está morrendo. Médica, psiquiatra, psicoterapeuta, colunista do Uol, mestre em psicologia e doutoranda em literatura pela USP, publicou “Desterros: histórias de um hospital-prisão (Elefante, 2017), a coletânea de contos “Rachaduras” (Quelônio, 2019) e “Copo Vazio” (Todavia). Para Natalia, um bom romance constrói um lugar narrativo convincente e convidativo. “Um ótimo livro me causa reações físicas”. Como os dela. Confira entrevista exclusiva:

Quando você se descobriu escritora?

Minha vontade de ser escritora se confunde com minha vontade de ser adulta, já na infância. Eu sempre quis escrever, mas é curioso que só depois de ter publicado dois livros eu tenha conseguido começar a me chamar de escritora. Provavelmente porque sou mulher, este ser talhado na insegurança. 

Até que ponto a Psiquiatria e a Psicologia clínica entram na construção dos seus personagens?

Quando a escrita acontece, tudo o que sou entra. A psiquiatria e a psicologia não são ferramentas teóricas que uso para construir personagens, mas minha experiência clínica subjaz ao meu texto, sem dúvida alguma.

Você escreveu: é do que sei menos que escrevo melhor? Pode explicar essa frase? 

Há três verdades nesta frase: a escrita é uma forma de investigação; quando não sei é quando posso verdadeiramente criar; e as minhas questões mais difíceis, que mais me atormentam porque não sei como solucioná-las, são meu mais rico manancial de escrita. 

A inspiração para os temas na coluna vem do dia a dia?

Escrever colunas semanais tem sido um desafio enorme. Há épocas em que me sinto mais conectada ao mundo e com mais disposição para procurar e escrever sobre os “assuntos quentes”; há épocas em que tenho mais vontade de escrever sobre experiências minhas e sobre literatura. Tento fazer um balanço disso tudo. 

Como tem sido o retorno de seus textos com os leitores?

O retorno dos leitores tem sido prazeroso e surpreendente, principalmente quando percebo que minhas palavras transformaram alguma coisa para alguém. Uma amiga, por exemplo, me contou que, depois de ter lido minha coluna sobre minha mãe com Alzheimer, nunca mais deixou de atender um telefonema da mãe dela. Saber disso é gratificante. 

Quais os escritores que fazem parte importante de sua estante? Aqueles que voltamos e quase sempre nos reencontramos?

Eu tenho relido muito pouco, lamentavelmente; aliás, tenho lido muito menos do que eu gostaria. Gostei de reler Coetzee, ainda que me falte ainda lê-lo muito; gosto de reler Kafka e Machado de Assis e Clarice Lispector e Hilda Hilst, ainda que também esteja longe de ler deles o suficiente. Minha relação com a literatura é minha relação com minha insuficiência. 

Luto e amor estão no seu livro que já está em pré-venda, temas bem presentes em sua obra. Doeu escrever parte de sua vida?

“As pequenas chances” foi meu livro mais doloroso de escrever até agora, mas também havia prazer nessa dor, é preciso dizer. Eu escrevi páginas e páginas chorando, chorei em várias das releituras, e foi meu livro mais difícil de terminar, sem dúvida, de considerar pronto, porque ele cristaliza uma parte importante do que um dia foram fatos da minha vida. 

Você continua se dedicando à Medicina e à escrita? Hoje uma arte está mais presente do que a outra?

Sim, continuo atendendo como psiquiatra, continuo escrevendo, pretendo continuar fazendo ambas. A psiquiatria estrutura minha rotina e me proporciona contorno de muitas maneiras; a escrita me atormenta, me apazigua e me faz chegar em casa. 

Você é jovem, mas no que escreve parece ter a intensidade de quem já viveu muito. Por que?

Eu gosto muito de viver e, não por escolha, vivo tudo de uma maneira muito intensa. Provavelmente algo disso vá para o que escrevo, talvez sua impressão de que eu tenha vivido muito venha aí, e também do fato de que, tampouco por escolha, eu alterne períodos de viver mais para fora com outros de viver mais para dentro. Um é a cura e a assimilação do outro. 

Como chega para você a palavra felicidade?

Felicidade é uma palavra tão bonita quanto gasta, tão importante quanto insuficiente.

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