O Porto de Paranaguá é um dos principais complexos marítimos do Brasil no escoamento de cargas agrícolas
Nacional
A hora e a vez do Brasil no mercado internacional de ‘commodities’?
Especialistas afirmam que as restrições das exportações de cereais no mundo abrem caminho especialmente ao trigo, milho, açúcar e carne nacionais. Porém, priorizar exportações, elevará ainda mais os preços dos alimentos e a inflação no mercado interno
Exportações de cereais restritas no mundo, dólar alto e a demanda por alimentos da Europa e da América do Norte elevam a posição do Brasil como candidato a “celeiro do mundo”. O cenário atual — com a economia instável, inflação alta e risco à segurança alimentar mundial, provocados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia — é favorável à expansão das exportações das commodities brasileiras, segundo avaliam especialistas, mas o preço a se pagar no mercado interno é muito alto.
Ao menos 35 países restringiram as exportações de commodities nos últimos dois anos, segundo disse o economista sênior do Policy Center for the New South, Otaviano Canuto, durante a sua participação na live da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com o tema “Preços de alimentos no mundo, desafios do futuro”, na última terça-feira (24). A pandemia de Covid-19, a escalada de preços dos alimentos e o risco de insegurança alimentar, que são reflexos da guerra na Ucrânia, levaram esses países a priorizarem o abastecimento de suas populações para evitar uma crise alimentar.
O analista econômico da Faculdade Arnaldo Janssen, Alexandre Miserani, afirma que a suspensão das exportações de cereais da Ucrânia e da Índia e a necessidade de abastecimento de países da Europa e América do Norte tornam o mercado favorável ao Brasil. “O cenário atual da economia mundial está perfeito para a inserção do agronegócio do Brasil, através dos seus grãos como milho, soja, cevada, entre outros. O produtor brasileiro, em vez de abastecer o mercado interno, prefere enviar para o exterior porque recebe em dólar e tem uma valorização maior do seu produto. Isso, logicamente, causa desabastecimento interno, levando a uma alta inflacionária porque faltam produtos e a procura é grande. Os produtos estão caríssimos. O café, por exemplo, aumentou 60% de janeiro até agora. O milho é utilizado como matéria-prima na fabricação de vários insumos e está em falta”, afirmou Miserani.
O advogado Maurício Aude, especialista em Direito Empresarial, disse que a retenção dos alimentos por outros países amplia o mercado para as commodities brasileiras, mas pode gerar o efeito reverso de países buscarem meios de reduzirem suas dependências externas. “O ponto positivo é, sem dúvida, a ampliação do mercado para o Brasil, além da oportunidade de exportação das commodities por um valor que se elevou em razão da guerra na Ucrânia, o que implicaria no curto prazo até mesmo no incremento do superávit da balança comercial brasileira. O ponto negativo é que esse tipo de situação fortalece cada vez mais no mundo a ideia de que o mercado deve se reorganizar para ser cada vez menos global, o que passaria pela concentração de esforços em alguns países hoje dependentes de certas commodities, no sentido de aumentarem a produção interna, para cada vez mais se tornarem menos dependentes de importações”, avaliou.
“De qualquer forma, o Brasil, em qualquer que seja o cenário, se mantém em condição extremamente favorável quando o assunto é capacidade de exportação de grãos, por conta de sua localização geográfica, porções de áreas ainda agricultáveis, fatores climáticos e tantos outros fatores”, complementou Aude. “É certo que a indústria da exportação do Brasil poderá ampliar a remessa de produtos como soja, milho, trigo e carne, já que Rússia e Ucrânia são exportadores de grãos e carnes para vários países”, observou o especialista.
Em relação às restrições à saída dos cereais da Índia, Aude salientou que esse cenário pode estimular o Brasil a produzir mais trigo para exportação. “Especialistas têm afirmado que a decisão da Índia acentua o risco de desabastecimento do mercado global. Todavia, a decisão indiana cria oportunidades para o produtor brasileiro, que deve ampliar o plantio de certas e determinadas culturas, especialmente o trigo, de olho no mercado externo”, afirmou.
O advogado Emanuel Pessoa, especializado em Direito Econômico Internacional, analisa que, apesar do cenário favorável, a economia mundial deverá encolher. “Rigorosamente, o aumento das exportações agrícolas brasileiras se deve tanto a um maior apetite mundial com o fim das restrições da Covid 19 quanto ao aumento dos preços causados pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Contudo, o que se verifica é que o crescimento econômico mundial deve diminuir, como consequência da inflação e da quarentena na China”, apontou Pessoa.
Segundo ele, o impedimento das exportações do trigo ucraniano estimula a produção brasileira do cereal. “De fato, a situação de conflito abre oportunidades para o Brasil, que deve ver sua área de cultivo de trigo crescer, estimulada pela possibilidade de conquistar mercados mundiais tradicionalmente associados à Ucrânia”, avaliou.
Emanuel Pessoa disse também que o açúcar é outro produto brasileiro com chance de expansão no comércio externo, porém, com impactos na economia interna. “No caso do Brasil, não temos o hábito de fazer a proibição de exportações, de modo que, se ocorrer a conquista de mercados em relação ao açúcar, por exemplo, isso se dará às custas do aumento do preço no mercado doméstico, já que parte do que aqui se vende passará a ser exportado”, concluiu.