“Os investimentos previstos com as desestatizações dos portos deverão abarcar essa adaptação às mudanças climáticas”, afirma Fialho
Nacional
Antaq quer portos preparados para mudanças climáticas
Diretor substituto da Antaq, José Ribas Fialho, defende que novas concessionárias de portos realizem obras para protegê-los de riscos climáticos
A segunda etapa do estudo da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre os impactos e riscos das mudanças do clima, nos portos públicos costeiros brasileiros, deverá ser utilizada no cálculo dos investimentos previstos para as concessões dos portos do País. A afirmação é do diretor substituto da órgão, José Ribas Fialho. Antes de assumir o cargo, ele foi o coordenador do estudo. Para essa segunda etapa, serão apresentados estudos de caso de três complexos marítimos: Santos (SP), Rio Grande (RS) e Aratu (BA).
Como o edital para a concessão do Porto de Santos já foi publicado e o processo está em andamento, não será possível incorporar as indicações do estudo de caso. Contudo, o edital de concessão da Companhia Docas do Estado da Bahia (que administra o Porto de Aratu) já deverá conter diretrizes para amenizar os impactos trazidos pela mudança no clima. “É natural que, para o Porto de Santos, isso não dê tempo. Mas para o caso da Codeba e também para os próximos, esses estudos de impacto, a busca de melhorias e adaptação às mudanças climáticas terá que ser incorporada. Talvez, a questão dos investimentos previstos deverá abarcar essa adaptação”, disse.
Em entrevista exclusiva ao BE News, o diretor substituto falou que algumas diretrizes das duas etapas dos estudos sobre mudanças climáticas poderão ser incorporadas ao Índice de Desempenho Ambiental (IDA – indicador da agência sobre o atendimento às conformidades ambientais nos portos brasileiros).
Fialho também afirmou que os estudos poderão incorporar futuros estudos de Viabilidade Econômica e Ambiental (Evteas) dos portos, bem como serão futuramente tratados em reequilíbrios e renovações de contratos do setor. Confira:
O que levou a Antaq a realizar esses estudos sobre as mudanças climáticas?
Entre 2015 e 2016, tivemos conhecimento do Programa Brasil 2040, que era um estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que trata da adaptação do Brasil às mudanças climáticas tanto na infraestrutura urbana, quanto naquelas ocasionadas na costa do Brasil. Ali é apontado categoricamente que a nossa infraestrutura portuária está sofrendo o impacto das mudanças climáticas. De posse desse estudo chegamos à conclusão de que deveríamos agir no âmbito da agência. Tivemos alguns atrasos na decisão de como realizar esses estudos devido à falta de verba pública. Até que, em 2018, tivemos conversas com universidades para fazer esse estudo. Mas, mais uma vez, esbarramos em problemas de verba. Em 2019 participamos do evento onde estava o pessoal da GIZ e lá começamos a conversar. Lá nos foi falado que eles possuíam um programa de adaptação em negociação com o Ministério da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente. Também que teriam interesse em trabalhar na área portuária.
Foi aí que a Antaq fechou o acordo com a agência de fomento alemã GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), que mapeou as principais ameaças climáticas nos portos públicos brasileiros?
Sim, em 2020 assinamos um acordo. Dividimos o estudo em duas formas: O eixo 1, que tratou dos riscos e impactos dessas ameaças aos portos brasileiros. Essa foi a contratação de consultoria por parte da GIZ e foi entregue em novembro do ano passado. O segundo eixo do trabalho analisará três portos para fazer um estudo de caso. Essa parte fica a cargo da Antaq. Aqui, fizemos a contratação por meio de pregão aberto. Claro que seguimos ainda a nossa parceria com a agência alemã que tem interesse no tema. Aqui iremos no detalhe. Queremos analisar o que esses portos vêm sofrendo e irão sofrer em função do modelo climático que estamos utilizando. Também propor medidas de adaptação. Usamos três portos em função do tempo que temos e também, mais uma vez, por causa dos recursos. Mas também queremos criar um guia para que os outros portos possam trabalhar por conta própria.
Quais são os três portos e por quê?
No final da primeira etapa, tivemos um ranking para cada uma das ameaças. As escolhidas foram tempestade, ventos e aumento do nível do mar. Em função da colocação desses rankings escolhemos um porto em cada região. Portanto, analisaremos o Porto de Aratu, de Santos e do Rio Grande. O Norte ficou fora porque, nesta etapa, estamos trabalhando com portos costeiros. Desde o primeiro estudo, já sabemos que estamos sofrendo. Isso é um fato. Muita gente questionou essa etapa cobrando medidas de mitigação das ameaças climáticas nas atividades portuárias. E essa parte não tinha esse propósito. Também, na primeira etapa, foi percebido que há pouca iniciativa dos portos para se preparar ou para enfrentar as mudanças climáticas. Até medidas que não são estruturantes, como criação de um núcleo de estudos para incorporação de diretrizes no PDZ (Plano de Desenvolvimento e Zoneamento), não são adotadas pelos portos. A exceção é o Porto de Itajaí, que já fez um estudo. Talvez por ter, nas últimas décadas, sentido na pele problemas relacionados a esses eventos extraordinários. Essas questões impactam até no que o porto é hoje. E é importante ressaltar que o Ministério da Infraestrutura tem demonstrado preocupação com o tema. É bem possível que decisões devam sair, tanto para regulação quanto para possíveis incorporações em futuros editais.
“A nossa infraestrutura portuária
está sofrendo o impacto das
mudanças climáticas”
Essa questão do Ministério é interessante, uma vez que vai de encontro ao que os seguidores do presidente defendem, como a não existência dessas mudanças no clima.
Por parte do Ministério, posso garantir que não existe nenhuma resistência sobre o assunto. A interlocução é muito boa. A subsecretaria de sustentabilidade do MInfra (Ministério da Infraestrutura) e a SNPTA (Secretaria Nacional de Portos e Transporte Aquaviário) estão muito interessadas no tema. Realmente, o foco nos últimos anos foram as concessões. Mas, de um ano para cá, percebemos um grande aumento no interesse pelas mudanças climáticas.
Voltando à segunda etapa, em que momento se encontram os estudos?
Estamos em uma fase bem importante porque a consultoria fez diversas coletas de informações. A participação dos portos e arrendatários foi muito importante. Fizemos uma série de questionários para todos responderem. Agora, estamos no momento de realizar workshops e apresentar os resultados obtidos no trabalho. É importante porque, algumas vezes na primeira etapa, a resposta ao questionário levou a uma interpretação diferente da que existia no porto ou no terminal.
E quando podemos esperar esses Workshops?
Estou indo para a Codeba para fazer esse workshop no dia 1º [de junho]. Lá é onde tivemos um ruído maior na primeira etapa do estudo. Acredito que por falta de comunicação da nossa parte. Podemos não ter passado muito bem o resultado do estudo, misturado com um pouco de má vontade de alguns na interpretação. Eles não entenderam como o Porto de Aratu pode ser comparado com o de Imbituba, por exemplo, que possui vento e onda. Realmente, não dá. Mas não foi isso que fizemos. Outro motivo foi o fato de eles terem sido apontados como o porto com o pior índice do Nordeste. Isso em relação às mudanças climáticas, é claro. Mas o que colocamos é que, para o horizonte de 2030 – 2050, a Codeba é a que tem os maiores riscos. Além disso, diferente dos outros, o Porto de Aratu terá um diagnóstico específico com propostas. Iremos apresentar quais são as medidas de adaptação que devem ser levadas para o Porto de Aratu. Ele será o único porto do Nordeste que receberá o estudo de caso da Antaq. Em Santos e no Rio Grande os resultados da primeira etapa foram bem entendidos. Lógico que o resultado da primeira etapa gerou pressões. Mas os dois souberam entender e informar à sociedade que existem melhorias a serem feitas, mas que estão se movimentando para fazê-las. Também viram esse processo como uma oportunidade. O Porto de Santos está nesse processo de desestatização e não teve problema nenhum.
“Foi percebido que há pouca iniciativa dos portos
para se preparar ou para enfrentar
as mudanças climáticas”
Sobre esse programa de desestatização, Santos e Codeba estão neste processo. Esses estudos podem entrar no edital como determinação de melhorias à futura concessionária?
Entendo que sim. É natural que para o Porto de Santos isso não dê tempo. Mas para o caso da Codeba e também para os próximos esses estudos de impacto, a busca de melhorias e adaptação às mudanças climáticas terá que ser incorporada. Talvez, a questão dos investimentos previstos deverá abarcar essa adaptação. Temos que tomar cuidado para não entrar numa discussão de competências. Portanto, o que deveremos fazer é recomendar que esses estudos sejam usados para a construção desses editais. Mas é importante dizer que temos a expectativa que esse estudo vire subsídio para a questão de política pública de adaptação. A começar pela Codeba.
Contudo, a Codeba terá ganho da Antaq esse estudo de caso. E para os outros que estão buscando a desestatização, como funcionará?
O que estamos fazendo é trazer o tema para o debate. Os próximos Evteas vão ter que abordar esses itens. Isso é inevitável. O nosso trabalho força isso. Estamos falando de concessões de 30 e 40 anos. Não faz sentido não olhar isso.
E quais apontamentos essa segunda etapa trará para os três portos?
Quando eu vim para a diretoria, eu me afastei do contato diário com os estudos. O que posso dizer é que traremos algumas medidas de adaptação. Mas não me lembro de cada caso específico.
E quando eles serão entregues?
No final do semestre estarão prontos. Os nossos estudos em geral estão passando pela diretoria colegiada. Essa é uma mudança que tivemos dentro da agência. Quando tínhamos um orçamento mais folgado, fazíamos grandes parcerias com universidades e institutos.Foram estudos muito interessantes, como o Plano Nacional de Integração Hidroviária, o da hidrovia do Paraguai, da caracterização dos transportes de passageiros na região amazônica etc. Foram estudos necessários, mas que são caros e que demoram muito. Com o orçamento apertado, percebemos que nós teríamos que nos voltar para dentro. Fazer estudos na agência. E a nossa agência trouxe isso. Essa é uma questão que o nosso diretor geral quis incorporar, que é colocar as análises dentro das reuniões de diretoria. Voltando às datas, acredito que isso será uma prioridade de votação logo no começo do semestre.
Esses próximos estudos também podem ser subsídio para a criação de uma política regulatória da Antaq?
Não trabalhamos com essa ideia. A discussão do impacto não é na lei. Quando trazemos essa questão, trabalhamos com entendimentos específicos. Lógico que tem uma superintendência que está olhando isso e a sua diretoria recebeu muito bem. Agora, ainda temos que discutir como tratar do tema. Estamos falando de Evtea de concessão ou arrendamentos. Eventualmente, até em reequilíbrios e em renovações, essa questão entrará nos investimentos para adaptação. Mas tudo isso terá que ser discutido no âmbito das superintendências e da diretoria logo após a conclusão desses estudos. Essa segunda parte vai nos dizer melhor. Na primeira etapa, tivemos uma apresentação geral das medidas de adaptação utilizadas no mundo. Também mostramos quais portos as adotam e quais não. Agora, quando vamos para um caso específico, o assunto se tornará mais concreto e a discussão ficará mais quente até no âmbito da agência. No curto prazo acredito que não teremos determinações. Sou um entusiasta da regulação por incentivo e a experiência nos mostra isso.
E como criar essa regulação por incentivo neste caso?
Sou um entusiasta do IDA (Índice de Desempenho Ambiental), que já tem 10 anos. Logo no começo, não sabíamos o que fazer com esse indicador. Tanto que chegou um momento que tivemos dúvida se deveríamos publicá-lo. Mas batemos o martelo de que ele deveria ser colocado pela agência. O resultado foi que o IDA gerou uma competição saudável entre os portos que fez o mercado e setor se mexerem. Havia portos que não tinham área de meio ambiente. Com o IDA, isso mudou. E dentro do indicador, temos uma série de itens voltados à mitigação, como geração de energia alternativa, fornecimento de energia elétrica e fornecimento de combustíveis alternativos para os navios. Isso tudo desde 2012. Todas essas questões estão lá, mas com um peso relativo. Talvez tenhamos que repensar isso. Temos indicadores com maior peso, como a questão do licenciamento ambiental. Na época, essa questão era muito importante, uma vez que tínhamos inúmeros portos sem esse instrumento determinante da nossa Política Nacional de Meio Ambiente. Talvez possamos agora relativizar o peso do licenciamento, trazer novos indicadores e adicionar algo relacionado à adaptação dos portos para essas mudanças climáticas. Sempre seguindo essa política de incentivo a uma competição saudável no setor.
Perfil
José Ribas Fialho é superintendente de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade. Ocupa o cargo de diretor interinamente desde março deste ano. Especialista em Regulação de Serviços de Transportes Aquaviários da Antaq há mais de 15 anos, Fialho já ocupou diversos cargos na agência, entre eles, superintendente de Fiscalização e Coordenação das Unidades Regionais, assessor técnico da diretoria, gerente de Portos Organizados e gerente de Desenvolvimento e Estudos.Engenheiro civil (Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, no Rio Grande do Sul), possui especialização em Direito Marítimo e Portuário (Maritime Law Academy), além de mestrado em Geotecnia (Universidade de Brasília – UnB).