Estilo BE
Bate bate bate coração
A principal causa de óbitos no mundo são as doenças cardiovasculares, dentre elas as doenças isquêmicas do coração, incluindo o infarto, e as doenças cerebrovasculares, incluindo os acidentes vasculares cerebrais, o “AVC/ derrame cerebral”. E elas vêm aumentando, principalmente entre os jovens. A cardiologista Juliana Filgueiras, Chefe do serviço de Cardiologia do Hospital Beneficência Portuguesa de Santos, explica que conhecer os riscos é importante para adotar medidas de prevenção o quanto antes. E recomenda: “fazer atividade física é como escovar os dentes”. Confira entrevista exclusiva para a coluna Estilo BE:
Por que tem aumentado o risco de problemas cardíacos nos jovens?
Este aumento está relacionado a vários fatores, um deles é a alimentação. Hoje em dia as pessoas comem muito fast food e alimentos ultraprocessados. Outro fator preocupante é a obesidade, que hoje em dia é tratada como doença. E os jovens costumam consumir mais cigarros, principalmente os eletrônicos, mais drogas, mais álcool, os hábitos de vida estão piores.
As mulheres jovens também estão sofrendo com o problema?
É óbvio que existe diferença entre homens e mulheres desde a parte cromossômica, também valores sociais e comportamentais e as percepções têm diferentes padrões. Criamos papéis diferentes na sociedade e no estilo de vida, gerando comportamentos que influenciam a epidemiologia, o quadro clínico e o tratamento. O que sabemos, na verdade, é que quando falamos em AVC e doença isquêmica do coração (DIC) eles ocorrem muito mais precocemente no homem. O número de casos novos e a prevalência nas mulheres é sabidamente aumentado após a menopausa.
Quais os sintomas que devem preocupar?
A dor no peito é o sintoma mais prevalente no infarto, em ambos os sexos. Mas a mulher pode apresentar sintomas atípicos como dores nas costas, dores na parte superior do pescoço, pode relatar náuseas, vômitos, fadiga. Isso confunde com dores musculares ou outro problema e ela acaba não indo ao pronto-socorro. Um dos sintomas que geralmente confunde na mulher, e que é bem comum, é o relato da falta de ar. Sobe uma escada e sente cansaço, falta de fôlego ao tomar banho, um desconforto no braço ou na mandíbula.
Quais os fatores de risco mais preocupantes?
As mulheres apresentam fatores de risco não tradicionais como o estresse e a depressão E também sofrem as consequências das diferenças sociais devido à raça, à etnia, além dos fatores de risco como gravidez, menopausa, menarca. As mulheres são sempre menos submetidas ao cateterismo e procedimentos cirúrgicos se comparadas ao homem.
E os fatores de risco mais comuns no homem?
Idade conta, quanto mais idoso maior a chance, além da genética (antecedentes familiares) que é bem importante. Hoje temos oito fatores de risco contemplados para a doença arterial coronariana: obesidade, sedentarismo, drogas (incluindo álcool, tabagismo e cigarros eletrônicos), hipertensão arterial, diabetes, colesterol, apneia do sono e estresse.
Quais as diferenças entre homens e mulheres?
Entre as mulheres, os principais fatores de risco para o infarto são diabetes, tabagismo, depressão, hipertensão e baixo nível socioeconômico. Entre os homens, ter histórico familiar de diabetes, hipertensão e colesterol alto são os principais. A depressão vem aumentando muito em jovens, principalmente em mulheres jovens, e isso está relacionado aos fatores de risco mais do que colesterol e hipertensão. É essencial tratar agressivamente a depressão, a crise de ansiedade e do pânico, que muitas vezes quando não são tratados podem evoluir para um infarto.
Por que o infarto nos jovens é mais grave e letal?
A principal teoria é que o jovem não tem a circulação colateral, os vasinhos pequenos que surgem no coração para tentar compensar a falta de irrigação no caso de uma artéria entupida, por exemplo. Quando o coração vai ficando mais velho, pode aparecer uma placa de gordura, causando impedimento total ou parcial. O coração cria um molde e vai fazendo que pequenos vasos se formem para irrigar a área afetada. O jovem não tem tempo para esse processo. E se não tratar precocemente o paciente pode morrer.
Quais as dicas para prevenção?
A prevenção é sempre o melhor remédio. Se você tem um pai ou uma mãe que teve infarto com menos de 55 anos, o ideal é começar a fazer o acompanhamento cardiológico a partir dos 30 anos, até nos grandes atletas fazemos esse acompanhamento. Temos uma falta de prevenção em nosso país, nossos hábitos são muito ruins, temos que dar ênfase às doenças psiquiátricas, há muitos pacientes com pânico, crise de ansiedade e o índice de suicídios está aumentando. Esse acompanhamento é fundamental . Obesidade também tem índices alarmantes. Fazer atividade física deve ser igual a escovar os dentes, tem que ser obrigatório. Quem tem hipertensão, colesterol e diabetes deve tratar. Lembrando que os dois primeiros não dão sintomas. Evitar consumo de álcool e drogas e procurar ajuda para tratar apneia também são atitudes fundamentais.
É muito comum sintomas de ansiedade serem confundidos com infarto. Há como diferenciar?
Às vezes é muito difícil diferenciar, os sintomas podem ser semelhantes, como palpitação, sudorese, tremor, sensação de falta de ar, asfixia, medo de morrer, dor no peito. Na primeira crise, o ideal é procurar um pronto-socorro, fazer o eletro e os exames para diferenciar. Se os exames derem normais, também será preciso fazer uma análise mais minuciosa do paciente.
Como é a famosa dor do infarto?
A dor do infarto é a dor em aperto, mal localizada, que pode ou não irradiar para o lado esquerdo, para o braço ou para o pescoço, acompanhada de dor no estômago, sudorese, palidez, sensação de desmaio. Geralmente dura mais do que vinte minutos. Pode ou não estar relacionada a uma grande refeição ou uma situação de estresse. A dor da ansiedade é uma dor geralmente mais localizada, em “pontada”, não irradia, a pessoa já chega mais agitada e nervosa ao PS. Mas é difícil caracterizar, principalmente numa primeira crise.
Em sua prática de consultório e hospital, os jovens demonstram mais rejeição a tomar medicamentos para pressão, colesterol?
Quando você tem um infarto, o paciente independente da idade entra em pânico, tem muito medo da UTI, sabe que pode morrer ou ficar com sequelas e toma os remédios. Nossa maior dificuldade é quando você pega um jovem de 30 anos no consultório que está com colesterol bem alto e você orienta para dieta, atividade física. Dependendo do nível do colesterol ( principalmente o LDL colesterol), é mandatório tratar com remédio. Ë mais difícil a aderência medicamentosa em pacientes assintomáticos. Ele pensa “Não sinto nada, porque preciso tomar remédio? No consultório você acompanha o paciente, pede exames laboratoriais e se não estiverem bons, dá para saber que ele não tomou. Eu explico todos os riscos, demoro nas consultas. A minha aderência dos pacientes ao tratamento é alta.