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Confira entrevista com o arquiteto e professor Luiz Nunes
“Não se consegue domar a natureza”
O premiado arquiteto chinês Kongjian Yu, pioneiro do conceito de cidades-esponja e professor da Universidade de Pequim, em entrevista recente para o Jornal Valor Econômico, disse que o Brasil pode se tornar uma referência na adaptação de cidades com soluções baseadas na natureza, mas isso só sairá do papel com um plano de ação e parcerias. Mas afinal, o que são cidades esponjas? O arquiteto e professor Luiz Nunes explica e alerta para a necessidade de repensar as ações humanas para enfrentar as mudanças climáticas. “O caso de Porto Alegre foi emblemático e deve ser considerado por outras cidades. Não se consegue domar a natureza”, ele afirma. Confira:
O que é cidade-esponja?
Quando esse termo, interessante e curioso, começou a aparecer mais recentemente, eu fui pesquisar e vi que remete a um conjunto de propostas que existiam há décadas, a diferença deve ser a forma como está sendo tratado na China. Curitiba faz isso há quase 50 anos. Na verdade, o que eles chamam de cidade esponja nós chamávamos de infraestrutura verde, e há trabalhos sobre isso no mínimo há uns dez anos. Quando eu dava aulas de História do Urbanismo eu falava de infraestrutura verde. O conceito é basicamente o mesmo: uma cidade com a capacidade de deter, limpar e infiltrar águas por meio de soluções baseadas na natureza.
Como foi em Curitiba?
Fico incomodado quando falamos desse modelo de cidades-esponja na China e não olhamos para o nosso próprio umbigo. Nos anos 70, Curitiba montou a estrutura de planejamento, estudada desde os anos 60, para repensar esse modelo. Curitiba está na frente não só na questão do transporte público, com otimização de um modelo que inclusive inspirou soluções na Colômbia e no Chile. Com relação à infraestrutura verde o importante é a rede de parques criada; por exemplo, o parque Barigui, que seria o equivalente ao Ibirapuera, foi construído para ser alagado, assim como outros parques, associados à preservação da mata ciliar nas margens dos rios e córregos que tem na cidade. Em Curitiba há problemas, mas esse modelo deu certo.
Pode explicar com exemplos o que é infraestrutura verde?
Por exemplo, o telhado verde e os jardins de chuva, que são termos da infraestrutura verde, podem retardar o caminho da água da chuva até a rua. Ou seja, o pensamento passa a ser o contrário dos anos 50. A partir dos anos 70 a ideia era segurar a água antes de chegar. Uma saída em São Paulo foram os piscinões, reservatórios enormes que, preenchidos antes da chuva diminuir ou parar, contribui com um retardo da água. Os jardins de chuva também têm essa função e Lina Bo Bardi fez isso na Casa de Vidro, na década de 50. Outro conceito é a renaturação dos rios, outro processo importante que é recuperar a função natural das margens dos rios. A Coreia fez um projeto interessante, há algumas décadas, pegaram um rio totalmente canalizado e transformaram em um parque. Ele enche, mas é um parque.
E quando tudo começou?
O ponto de partida é o século XIX com o processo de urbanizações mais intensas, como nos Estados Unidos, mas no Brasil também. No caso brasileiro, a década de 50 trouxe o fator desenvolvimentista e o êxodo rural para as grandes cidades, que se consolida até os anos 60 com grandes construções em infraestrutura nesse período. Em Santos, particularmente, temos o projeto de Saturnino de Brito no começo do século XX. Ele percebeu que construir canais poderia “secar” a Cidade, a região entre o morro e a praia era um charco, onde estavam focos de doenças.
O que há em comum nesse processo de urbanização global?
Todo esse processo, desde o século XIX e até o XX, é caracterizado como uma ação humana para tentar domar a natureza. Em São Paulo, temos a retificação dos rios Tietê e Pinheiros. A proposta era jogar a água o mais rápido possível para a frente.
E o que remete a Porto Alegre?
A grande inundação histórica de Porto Alegre em 1941 levou à construção de um muro, que agora não foi suficiente para conter as águas. Na Marginal Tietê você tem na Ponte Pequena estações e bombas para jogar a águas de chuva, se o rio sobe, mas hoje não adianta mais. Em Santos é semelhante, os canais que tinham outras funções, inclusive com margens que permitiam parte da absorção da água das chuvas, não suportam sozinhos, pois a cidade vem sendo pavimentada e impermeabilizada cada vez mais. Além disso, Santos sofre muito com a influência das marés.
Quando falam em inundação em Santos, qual o motivo?
A cidade tem poucas áreas permeáveis, quase todo o subsolo está construído, tudo isso contribui para trazer problemas nas enchentes.
E a partir da década de 70, o processo se acentuou com as mudanças climáticas, também associado ao processo de urbanização e combustíveis fósseis. Nós construímos o cenário que temos hoje e a natureza tenta retomar o lugar dela com a força que tiver. Percebemos que o modelo está errado.
A Cidade-esponja pode ser o modelo ideal?
Imagine se associarmos tudo isso no processo de sustentabilidade: pavimentação que absorve água, telhado verde, jardins de chuva, parques lineares, rede de parques, renaturação de rios e mangues etc. Aí chegaremos ao conceito de cidade-esponja. Eu vejo como uma grande saída de política pública para algumas cidades. Precisamos de um conjunto de medidas, públicas e privadas, que forneçam alternativas seguras No caso chinês estão tratando como política de Estado, é o que teríamos que fazer.
Qual o risco para Santos, se nada for mudado?
Em Santos temos problemas de falta de áreas, com a maré alta e a possibilidade de receber chuvas intensas nesse período. Se além disso o nível do mar subir, pela própria topografia da cidade, haverá maré alta constantemente e haverá enchentes. E ainda temos que pensar na infraestrutura de escoamento das águas que chegam ao porto. O caso de Porto Alegre foi emblemático e deve ser considerado por outras cidades, ainda com a influência da maré, será uma tragédia.
O que fazer?
Seria preciso mudar a realidade atual, mas vai ser difícil. Teria que renaturar toda a parte dos canais, dos mangues, que antes faziam esse papel de conter as águas naturalmente. São obras caras, mas é preciso pensar. Em dez anos poderemos ter cenários bem preocupantes.