Internacional
Conservação dos mares dá origem a nova economia, diz CEO do Voz dos Oceanos
Em entrevista exclusiva ao jornal BE News, o explorador e CEO do Voz dos Oceanos, David Schurmann, falou sobre o potencial de negócios dos oceanos relacionado à preservação ambiental, entre eles o comércio de plástico, participação na Conferência da ONU e o que a expedição já constatou de poluição por plástico em praias de cidades portuárias
Entre 23 milhões e 37 milhões de toneladas de plástico poderão ser escoados para os oceanos todos os anos até 2040, segundo o Programa da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Este projeto apoia a Voz dos Oceanos, uma expedição marítima liderada pela Família Schurmann com o objetivo de combater a poluição por plástico nos mares, em busca de soluções inovadoras e de conscientização de pessoas ao redor do mundo. Os dados obtidos pelo Schurmann sobre este poluente em suas viagens serão levados à Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que será realizada da próxima segunda-feira, dia 27, a 1º de julho, em Lisboa (Portugal). O evento é promovido em conjunto por Portugal e Quênia.
Esta será a primeira participação da Família Schurmann na Conferência dos Oceanos da ONU. Iniciada em 29 de agosto de 2021, a expedição Voz dos Oceanos já navegou por quase toda a costa brasileira, Caribe, Bahamas e, agora, se encontra na Flórida (EUA). A viagem será concluída em dezembro de 2023.
Em entrevista exclusiva ao jornal BE News, o explorador e CEO do projeto Voz dos Oceanos, David Schurmann, disse que a expedição já passou por cerca de 40 portos e ancoragens, e em todas as praias encontrou plástico. Ele falou ainda sobre a participação na Conferência da ONU e o potencial de negócios dos oceanos relacionado à preservação ambiental, entre eles, o “plastic full trade”, em tradução livre, comércio do plástico.
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O projeto Voz dos Oceanos participará da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Lisboa, e você apresentará os dados sobre a poluição por plástico que a equipe da expedição encontrou em todas as praias por onde já navegou até o momento. Por que, além da questão da conscientização e da busca de soluções ambientais para mitigar os impactos do lixo nos oceanos, é tão importante para o Voz dos Oceanos participar da Conferência da ONU?
A expedição Voz dos Oceanos, iniciada em 2021, já passou por cerca de 40 portos e ancoragens. A gente cruzou quase o Brasil inteiro, o Caribe, as Bahamas e, agora, a Flórida (EUA). A nossa equipe encontrou plástico em todas as praias. É muito chocante verificar que a gente navegou lá do Sul até a América do Norte e a gente não deixou de encontrar plástico. Esse é um dado que a gente vai levar para a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas. Nós também iremos mostrar o que estamos conseguindo fazer em termos de educação e, junto às ongs, oferecer uma plataforma para que possam aparecer e, quem sabe, obter mais apoio. Vamos mostrar o que as pessoas estão fazendo nesse trajeto que a gente já percorreu e, quem sabe, compartilhar boas práticas e boas ideias. E, por último, nos conectarmos com outras entidades, governos, iniciativas, financiadores. Porque uma expedição dessa precisa de financiamento, não sai 100% financiada. A gente precisa angariar fundos e doações para continuar e, também, para expandir a mensagem. Ter parcerias, seja com mídia, imprensa, com outras entidades, e com recursos a gente consegue ampliar essa nossa voz.
Quais são os principais desafios para obter apoio e realizar as ações?
O maior desafio é tentarmos conversar com o maior número de pessoas, seja através de uma entidade, mídia, ou algum lugar onde a gente tenha uma plataforma e uma voz e que essa voz possa ser ampliada. As pessoas, hoje, não têm mais a resistência que tinham antes sobre temas ambientais. Isso evoluiu muito nos últimos 15, 20 anos. Ninguém mais está fechando os olhos, falando… ah, são ecochatos. Isso já mudou. A sociedade civil já entendeu que nós temos um desafio, que nós temos um problema que precisa ser resolvido. Como resolver isso é o grande ponto. Mas o grande desafio é chegar a um maior número de pessoas, que elas possam entender isso e ser impactadas. As pessoas precisam entender que elas têm poder de transformação. O projeto, como ele já tem um histórico, mesmo que curto, muito sólido, nós estamos a ter um retorno tanto de empresas quanto de entidades, que começam a enxergar o projeto com a seriedade e estrutura que tem. É um projeto muito bem elaborado, estruturado, de governança corporativa. Nós somos uma entidade não governamental e sem fins lucrativos e, ao mesmo tempo, a gente tem uma gestão profissional. A gestão profissional é necessária para que a coisa realmente mude, com, obviamente, boas pessoas que acreditam no propósito, e que são bons profissionais para que isso aconteça.
Você mencionou que a expedição constatou plástico em todas as praias de cidades portuárias por onde navegaram. Como os portos podem mitigar o descarte desse poluente nos oceanos?
A maioria dos portos já tem um olho no ESG e está buscando ações para que os plásticos não vão parar nos oceanos. O grande lance é a mercadoria que passa pelos portos e nós estamos tentando chegar nos grandes fabricantes. No porto, tem um trabalho muito grande a ser feito com os navios, não os de carga — que vão de um lugar para o outro e que, normalmente, tem isso mitigado ou auditado —, mas com os grandes navios pesqueiros que passam, às vezes, meses nos oceanos e que, muitas vezes, não retêm o seu lixo. Eles descartam isso diretamente no mar. A gente precisa de uma conscientização geral para que esses navios, que passam muito tempo no mar, não descartem o seu lixo nos oceanos. Eu acho que o porto tem muito mais esse papel de educação, quem sabe de fiscalização desse material. O porto pode se tornar um agente colaborativo nesse sentido.
As iniciativas de preservação ambiental nos oceanos têm impacto socioeconômico, ou seja, podem gerar negócios?
Com certeza. Existem inúmeras formas de novos negócios que podem surgir. O oceano poluído vai acabar afetando a navegação marítima de todas as formas. Você tendo um oceano saudável, ele te dará um retorno melhor. Eu falo desde navios de cruzeiros, que dependem do oceano para o turismo, e de água que entra dentro dos navios para refrigerar motores que vão ter os seus filtros cada vez mais poluídos com microplástico. Então, existem inúmeras frentes que podem ser exploradas economicamente para que, primeiramente, não custem mais caro, e que se consiga criar novos modelos de negócios. Quem sabe, desenvolver modelos de negócio para fiscalização, para reciclagem, para trazer a comunidade mais próxima ao porto, porque isso é fundamental. Enfim, são inúmeras frentes que têm que ser pensadas junto com a sociedade.
Ainda, em termos de negócios, quais são as oportunidades que os oceanos oferecem?
Nós temos, por exemplo, iniciativas de cultura de algas para criar plásticos que são corretamente biodegradáveis, porque existem muitos plásticos ditos biodegradáveis, mas que demoram quase 200 anos para se tornarem biodegradáveis. O grande ponto é que à medida em que você vai preservando e necessitando dos oceanos, vai gerando novos negócios para atender a essas necessidades.
Considerando o que você disse sobre a mudança de consciência relacionando meio ambiente e oportunidade de negócios, as nações já enxergam o potencial econômico dos oceanos?
Essa conscientização do potencial econômico dos oceanos está começando. A compensação de carbono, por exemplo, virou um grande negócio. Eu vejo, por exemplo, o crédito de carbono como um grande negócio, uma preservação de floresta e regeneração de áreas para você compensar o carbono. Eu acredito que, em breve, nós seremos exatamente a mesma coisa. Qual é o seu plastic full trade (em tradução livre, comércio de plástico)? E o que você vai compensar para isso e para onde serão destinadas essas verbas? Com verbas, você consegue criar inúmeros negócios de inovação para você achar acesso à solução, seja através de infraestrutura, para mitigarmos o plástico e ele não chegar nos oceanos, seja por meio da reciclagem, ou de novos produtos que são desenvolvidos a partir de algas ou outros materiais biodegradáveis. Enfim, o horizonte é muito promissor se a gente for comparar o que já tem sido feito e o que está sendo arrecadado com carbono. No oceano, está começando. Tem muita gente trabalhando com isso há muito tempo, mas, agora, o mundo começou a despertar para essa necessidade.
A participação do Voz dos Oceanos na Conferência da ONU é importante para disseminar essa mentalidade sobre o potencial de negócios a partir dos oceanos, aliando economia e sustentabilidade?
Quanto mais agentes pragmáticos conseguirem ecoar essa voz, melhor será. Eu brinco que nós somos os novos na “quadra”. Há entidades que têm 40, 50 anos e eu brinco que nós somos uma startup com 40 anos de experiência de navegação, mas nesse novo modelo, como uma organização não governamental sem fins lucrativos que pode afetar e impactar diretamente, de uma forma mais pragmática. Nós trazemos um frescor, um novo olhar, uma forma diferente de ver e dentro de uma ótica de testemunha. A gente está testemunhando, vendo acontecer e vamos mostrar tudo o que já conseguimos fazer em pouco tempo. Essas duas coisas nos ajudam a nos conectar com as demais organizações, governo e ampliar esse movimento para que a gente, de fato, tenha uma transformação. Nossa forma de contar história é muito diferente. As outras organizações que a gente ama e respeita, às vezes, têm histórias pontuais, a nossa é uma história contínua. É uma expedição contínua muito na linha de Jacques Cousteau (oceanógrafo francês que morreu aos 87 anos em 25 de junho de 1997, em Paris), como ele fazia há muitos anos atrás, só que num mundo moderno, com ferramentas modernas. A gente tem uma história para contar e o ser humano se engaja nas histórias, mais do que simplesmente nos movimentos. E a gente olha para essas duas coisas, a história e a iniciativa, um movimento.