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Da roça à presidência da Autoridade Portuária de Santos
É possível imaginar o desembaraçado e audaz Anderson Pomini, Diretor-Presidente da Autoridade Portuária de Santos, crescendo em meio a vacas, cavalos e plantações em uma fazenda no norte do Paraná? Sua trajetória tem todos os elementos de um bom romance, além de um protagonista forte e determinado a mudar seu destino, que saiu de casa aos 16 anos em busca de novas oportunidades.
Nascido em 1976, no Hospital da Pena, na Zona Leste de São Paulo, Anderson mudou-se aos dois anos com os pais para a fazenda do avô, no Paraná. Desde pequeno, ajudava o pai na roça, plantava algodão e tirava leite de vaca. “Era uma vida muito boa. Estudei da primeira à quarta série em uma escola rural, instalada na cabeceira da fazenda, onde cada série tinha apenas quatro ou cinco alunos. Nossa professora, Alice Matarã, ensinava a todos ao mesmo tempo”, relembra.
Dos 11 aos 14 anos, estudou em uma escola a sete quilômetros da fazenda. Os trajetos eram desafiadores: ia a cavalo, de trator e, nos dias de chuva, a jornada se tornava uma verdadeira aventura. À medida que crescia, também crescia o desejo de morar em um local com mais oportunidades.
Aos 14 anos, sua paixão por política começou a despertar. Participava ativamente de campanhas eleitorais e ficava fascinado. “Eu achava incrível ver alguém discursar e convencer as pessoas, mobilizar a comunidade para votar. Fazia campanha de carro de som para um prefeito local. Parávamos em frente aos sítios, e eu falava no autofalante enquanto as pessoas saíam de casa para nos ouvir. O prefeito também me levava ao palco, e tudo isso me encantava”, conta.
A infância foi marcada por liberdade e descobertas: nadava na represa, caçava, andava a cavalo e testemunhava o progresso chegando aos poucos. “Na fazenda, moravam vários familiares, mas só tivemos energia elétrica em casa quando eu tinha nove anos. Tudo era muito caro, e os processos ainda eram manuais”, lembra.
Desde pequeno, ouvia o pai falar maravilhas sobre São Paulo, o que despertou nele o desejo de ir para lá. Seus pais — ele descendente de italianos, ela de indígenas e portugueses — eram contra a ideia, achando-o muito novo, e pediram que esperasse. Mesmo assim, no dia 1º de abril de 1992, embarcou para São Paulo de ônibus, acompanhado pela mãe.
Nos primeiros sete meses, ficou na casa de um tio. Logo no início, perguntou a ele como chegar ao Parque D. Pedro para procurar emprego e pegou um ônibus do extremo sul da Zona Leste até o centro da cidade. O menino da roça estranhou a imensidão da capital. Ficou parado diante da escada rolante sem saber o que fazer, assustou-se com o elevador e outras modernidades ausentes no campo.
Seguindo os conselhos do pai para não se perder, começou a mapear a cidade, repetindo diariamente os mesmos caminhos e ampliando-os pouco a pouco. Seu primeiro emprego foi como panfleteiro da Marítima Seguros na porta do metrô, recebendo vale-refeição e passagem.
Logo percebeu que precisaria lutar para conquistar um espaço. Além de ser menor de idade, seu sotaque carregado não ajudava. O almoço era o famoso churrasquinho grego e o vinagrete na gaveta, comprado na da Praça da Sé. Observando que muitos garotos conseguiam empregos após entrevistas em agências, decidiu segui-los e tentar a sorte.
Após horas de espera e dezenas de balas do pote na recepção, foi o último a ser atendido. Seu nome não estava na lista, mas, falando a verdade, convenceu a psicóloga responsável pela seleção. Então surgiu dona Martha, um verdadeiro anjo da guarda, que resolveu dar uma oportunidade ao ouvir sua história.
Foi contratado como office-boy na empresa Minas Gerais Administração e Serviços, que prestava suporte ao escritório de representação do governo de Minas em São Paulo, ao Banco de Minas Gerais e ao Credireal, na rua Líbero Badaró.
Com tantos jovens no mesmo cargo, desenvolveu uma técnica para ser o mais rápido: “Seu Carlos entregou um fichário com meu nome, cheio de documentos para tirar cópias na rua. Enquanto os outros desciam de elevador, eu ia e voltava pelas escadas, sempre chegando primeiro”
Ativo e dedicado, não se limitava às cópias. Se fosse preciso, varria o chão ou realizava outros serviços, mesmo contrariando seu Carlos. Todo esse esforço rendeu frutos e, em pouco tempo, foi transferido para a sede da empresa, na rua São Carlos do Pinhal, onde trabalhou diretamente com dona Martha por três anos, até seguir para outra empresa e, posteriormente, para a OAB.
Recentemente, seu Carlos o encontrou no Facebook e pediu permissão para contar sua história no livro que está escrevendo sobre os 40 anos que passou na empresa. Pomini se emocionou e acredita que o livro será publicado ainda este ano.
A vontade de fazer Direito já existia, mas ele queria algo voltado para os direitos humanos, como uma preparação para a vida pública. Cursou graduação e diversas especializações, incluindo Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional de São Paulo.
No primeiro ano da faculdade, tornou-se presidente do Diretório Acadêmico. “Fiz Direito porque gosto de política, mas acabei conciliando as duas áreas e advoguei para muitos políticos. Fui Secretário de Justiça e gostei da experiência. Depois, Geraldo Alckmin e Márcio França me indicaram para o Porto de Santos.
Veio com a cara e a coragem, sem entender nada de porto, mas aprendeu rápido — e os resultados e o respeito da comunidade portuária apareceram na mesma velocidade. “Sempre procurei entender as pessoas. Para ter as oportunidades que tive, precisei, antes de tudo, ser compreendido. Administração pública é, acima de tudo, lidar com gente, e é isso que busco fazer nessas funções. A parte técnica tem especialistas para cuidar”, afirma.
Pouco tempo após assumir a presidência da APS, percebeu que a principal deficiência era a falta de diálogo. “Toda a comunidade estava em conflito. Os funcionários queriam ir embora, o sindicato estava revoltado com a privatização, os operadores estavam insatisfeitos com a falta de investimentos no porto. Faltava diálogo. Minha especialização em Direito Público e Econômico me ajudou muito nesse processo.”
O conhecimento jurídico, segundo ele, é essencial para destravar a máquina pública. “O mundo jurídico foi criado para dizer ‘não’. Mas, por ter formação na área, questiono o porquê. Isso me permite dialogar e ter mais ousadia para discutir questões que, muitas vezes, são vistas como impossíveis. Esse olhar sempre me ajudou muito.”
Lidar com conflitos e agir com ousadia são seus principais focos. “Quem deve entender de calado, operação portuária e manobra de navios são os técnicos. No primeiro momento, o Porto de Santos precisava mais de um arranjo jurídico e formal do que qualquer outra coisa. Meu papel é implantar uma gestão diferenciada, e isso tem sido essencial para reposicionar o porto no cenário atual.”
Com uma agenda intensa e pouco tempo livre, a terapia diária é frequentar a academia. Apaixonado por Santos, só tem elogios para a cidade que o acolheu. “Santos é rica, organizada, carrega a forte herança dos imigrantes e tem uma infraestrutura excelente. O que faltava era a integração do porto com a cidade, abrir as portas e permitir que as pessoas pudessem contemplá-lo. Agora temos o Parque Valongo, que já recebeu mais de 300 mil visitantes. Ainda há muito a fazer, mas já demos um grande passo.”
Para ele, a comunicação na gestão pública — e em qualquer atividade — é um dos maiores desafios. “Historicamente, todos os portos do mundo foram fechados para a comunidade. Mas muitos portos europeus, como o de Valência, já se integraram às suas cidades. Daqui a alguns anos, o Parque Valongo será o principal centro de recepção de turistas”, afirma com segurança.
A mensagem para os 133 anos do Porto de Santos é de futuro. “Estamos projetando o porto para os próximos 20 anos. Muito do que planejamos talvez não estejamos aqui para entregar, mas queremos iniciar ainda este ano obras fundamentais, como a primeira escavação do túnel Santos-Guarujá, o aprofundamento do canal e as perimetrais. Vamos entregar uma empresa pública muito melhor do que recebemos. Quando queremos fazer de verdade, fazemos. E, se alguém diz que não é possível, aí é que fazemos mesmo.”