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“É o momento de integrar forças”
O olhar do Sul
“Nunca vi coisa igual. A enchente do ano passado foi grande, mas não como essa. Ontem eu fui fazer fisioterapia e passei próximo ao Centro, é muito triste ver tudo alagado. Muita gente ainda sem água, sem luz, sem casa, calçadas tomadas, sujeira”. Quando comenta a situação, o consultor Wilen Manteli, morador de Porto Alegre e ex-presidente da ABTP e Diretor-Presidente da Associação Hidrovias RS, traz à conversa um misto de indignação e tristeza. E agradece: “Nós tivemos sorte aqui em casa, só faltou um dia água e luz, somos privilegiados e por isso dói ver as imagens de tanta desolação e desespero das pessoas”.
Para o Conselheiro do Sul Export, depois que acontece a tragédia aparecem os engenheiros de obras feitas: “ Se as autoridades foram alertadas e nada fizeram, é muito sério. Na verdade, é uma montanha de passivos que vêm se somando há muitos anos. Desde que se criou a delegacia da ABTP Sul eu e as diretorias procuramos o governador da época, década de 90, e todos os outros que se sucederem, para falar sobre a questão da dragagem, que é importante. Foram muitas promessas e nada”.
Manteli cita a necessidade de dragagem na Lagoa dos Patos, Lagoa do Guaíba, Jacuí, Taquari, Rio dos Sinos e Gravataí, um conjunto de rios para facilitar a navegação e que não recebe investimentos há anos. “Fomos falar com o vice-governador Ranolfo Vieira Júnior, que tinha ficado no lugar do Eduardo Leite, e foram liberados R$ 60 milhões para começar a dragagem no início de 2023. Enrolaram e até agora nada. As nossas hidrovias se encontram abandonadas há muitos anos. Eu entendo que ocorreram falhas de todos os governos, que não cuidaram das margens, das matas ciliares, das eclusas”.
Na região há quatro grandes barragens de eclusas localizadas nos rios Jacuí e Taquari, construídas há mais de 50 anos, que deveriam ter sido reformadas há tempos, como ele explica: “O governo federal fez a licitação das duas principais, mas como o que vale é a menor oferta, quem venceu não tinha condições de realizar. Foram quatro licitações e nenhuma deu certo. Essas obras nas eclusas são fundamentais para salvaguardar as populações ribeirinhas de novas enchentes. Mesmo assim, sem as obras necessárias, elas ajudaram a conter as águas nessa tragédia”.
Para ele, a culpa é de todos: “Não dá para só culpar o governo, a sociedade é tão culpada quanto, porque não se importa, faz vistas grossas vendo os nossos rios, a situação não vai se resolver. Esperar só que os políticos resolvam, também não adianta. Várias entidades bem-intencionadas que poderiam ajudar em propor, fiscalizar e cobrar o governo não se mexem. Parece que o brasileiro tem medo de cobrar. Eu passei por muitos governos, recebi muitos tapinhas nas costas e promessas que nunca se concretizaram”.
O que traz indignação é misturar um drama como esse com questões políticas: “Agora surgem muitas acusações sobre todo o sistema de contenção, mas é o momento de integrar forças. Essa briga política não leva a nada. Se não somarem, não vão conseguir ajudar tantas pessoas e empresas que foram atingidas, reconstruir estradas e cidades”.
Manteli ainda é otimista e acredita que há solução, mas que é preciso trabalhar de forma certa: “Temos vários grupos, inclusive do setor portuário, se organizando para continuar ajudando. Há muita gente trabalhando, muitos voluntários, mas o Estado precisa coordenar a logística com eficiência para receber e distribuir as doações, providenciar moradias, alimentar os desabrigados. É impressionante e emocionante o que tivemos de apoio e solidariedade de tantos estados. Além da fome e da preservação da vida, também me preocupa muito a violência, segurança nessa hora é fundamental. A sociedade merece ser protegida”.