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Confira entrevista com o dramaturgo e diretor Silvio de Abreu
O homem que sabe demais sobre cinema
O dramaturgo e diretor Silvio de Abreu é mais conhecido por suas novelas de sucesso na TV Globo, mas muitos não sabem de sua paixão pelo cinema. É uma delícia conversar com ele sobre o tema. Profundo conhecedor, o que você perguntar ele responde: filmes, atores, atrizes, bastidores, diretores e muito mais. Por isso fiquei muito feliz quando ele aceitou dar esta entrevista exclusiva para a coluna, em tempo de Oscar 2024, programado para dia 10 de março. Confira!
Você começou a gostar de cinema quando?
Desde a primeira vez que entrei no Cine Metro, com 5 anos de idade, a magia me pegou ali. Confesso que hoje, 76 anos depois, a paixão já não é a mesma, o impacto inicial que norteou toda a minha vida profissional aos poucos foi se dissipando, mas ainda gosto muito de assistir a um bom filme.
Qual foi o filme de maior sucesso que você dirigiu?
“Mulher Objeto” de 1981, com Helena Ramos e Nuno Leal Maia, mas gosto muito também de um documentário que fiz junto com Carlos Manga, “Assim Era a Atlântida”, nos anos 70.
O documentário sobre a Atlântida é primoroso. Como foi contar em uma história que faz parte da cultura brasileira?
Sempre fui um apaixonado pelas chanchadas da Atlântida. Quando a Metro Goldwyn Mayer fez “That’s Entertainment”, um documentário que glorificava os musicais produzidos pelo estúdio, me veio a ideia de fazer o mesmo com as nossas chanchadas. Animei Carlos Manga a entrar no projeto e produzimos “Assim Era a Atlântida”, com os filmes que haviam sobrado no estúdio depois de um incêndio e várias enchentes. Preservar esse legado no Brasil, para mim, era mais do que uma obrigação, não queria que um período tão rico, tão criativo e de tanto sucesso no cinema brasileiro fosse esquecido. Fazer esse trabalho foi puro prazer porque tive contato direto com todos os ídolos da minha infância e juventude e produzimos um documento muito importante para a cultura brasileira.
Sei que acompanha os filmes indicados ao Oscar e pode responder com conhecimento: mudou o cinema ou mudamos nós?
Mudamos nós e o cinema. A sociedade mudou seus hábitos, valores, preferências e tudo o mais que a forma e o cinema, como nós, têm que acompanhar essas mudanças. Sou muito saudosista nesse aspecto, prefiro os filmes do século passado, que traziam um glamour e uma magia que hoje em dia já não se vê nas telas.
Pode indicar seus filmes preferidos para esse ano ao Oscar e por que?
Gosto muito de “American Fiction” (não sei o nome que terá por aqui) é um filme simples, mas extremamente inteligente; “Anatomia de uma queda” tem um excelente roteiro; “Os Rejeitados” é humanamente impecável, com grandes interpretações; “Assassinos da Lua das Flores” é extremamente competente e bem realizado, mas “Oppenheimer” reúne todas as qualidades de uma grande e respeitável produção e deve ser o vencedor.
Sei que você não tem um filme preferido, mas poderia citar três vencedores do Oscar que continuam atuais e valem a pena?
A lista é imensa, mas como você me pediu só 3, aí vão: “Malvada” (All About Eve), 1950, nunca mais se fez um filme que retratasse tão bem todos os vícios e virtudes dos atores/atrizes do teatro; “O Poderoso Chefão” (The Godfather), obra prima incontestável em todos os aspectos, e “Casablanca”, a melhor história de amor já contada.
Para você, qual foi o filme mais injustiçado no Oscar?
Foram tantas as injustiças nesses quase 100 anos de Oscar, muitos filmes inexpressivos venceram outros que permaneceram como obras primas, por exemplo, em 1941, quando “Como Era Verde o Meu Vale” venceu “Cidadão Kane”, um marco no cinema; em 1944, “O Bom Pastor” venceu “Pacto de Sangue”, um dos melhores filmes de mestre Billy Wilder; em 1956, “A Volta ao Mundo em 80 Dias, venceu “Assim Caminha a Humanidade”, obra prima de George Stevens.
E mais recente?
No ano passado, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, venceu “Os Banshess de Inisherin” e “Os Fabelmans”. Mas as injustiças não ficam apenas na escolha dos melhores filmes, Gwyneth Paltrow, péssima em “Shakespeare Apaixonado”, venceu a excelente interpretação de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”; Alfred Hitchcock, apesar da sua extensa e maravilhosa cinematografia, nunca ganhou como diretor, Greta Garbo, nunca ganhou como atriz, como também nunca ganharam Charles Chaplin, Harold Loyd, O Gordo e o Magro, Judy Garland etc e etc, a lista é imensa.
Por que o cinema nacional não tem chances no Oscar?
Oscar é um prêmio americano, que contempla o gosto da maioria dos Estados Unidos. A categoria de Melhor Filme Estrangeiro passou a existir em 1956 e, logo depois, na década de 60, os filmes brasileiros passaram a se pautar mais pelo gosto europeu, buscando reconhecimento nos festivais de Cannes e Veneza. Os filmes brasileiros de grandes produtores como Oswaldo Massaini (“O Pagador de Promessas”) e Luiz Carlos Barreto (“O Quatrilho” e “O Que É Isso Companheiro”) que fizeram belas campanhas e conseguiram indicações para o prêmio, tinham narrativa e produção mais palatáveis para os americanos. “Cidade de Deus”, que também foi nominado, é um excelente filme denúncia de enorme impacto social, impossível de ser ignorado mundialmente. Atualmente os filmes brasileiros que têm sido enviados como nossos representantes não conseguem sequer uma nomeação, o que prova que alguma coisa está errada nessa seleção.