Juristas, especialistas e autoridades do setor falaram sobre como a litigância predatória impacta a economia e até mesmo põe em xeque a credibilidade do Poder Judiciário (Foto: Grupo Brasil Export)
Nordeste Export
Juristas e especialistas alertam para os efeitos negativos da litigância predatória
Prática que sobrecarrega o sistema judicial foi discutido pelos participantes do painel do InfraJur, dentro do Nordeste Export
Se a prática da litigância predatória impede o interesse de investidores estrangeiros em viabilizar projetos logísticos nos segmentos de infraestrutura, aeroportuário, portuário e ferroviário, quem se beneficia com as consequências econômicas dessas práticas em detrimento de um desenvolvimento setorial tão importante para o Brasil?
O assunto foi discutido por especialistas e autoridades do setor durante o Encontro Nacional de Direito da Logística, Infraestrutura e Transportes (InfraJur), parte da programação do Fórum Nordeste Export, que aconteceu nos dias 20 e 21 de junho em Fortaleza (CE).
Bruna Esteves Sá, sócia da Sammarco Advogados, explicou que muitos escritórios de advocacia promovem diversas ações trabalhistas sem fundamentos legais sólidos contra operadoras do setor de transportes, buscando indenizações por supostos danos morais e materiais. Os processos sobrecarregam o sistema judicial e geram custos significativos para as empresas envolvidas.
A advogada também relatou como a prática da litigância predatória é usada por outras empresas para afetar negócios concorrentes e gerar prejuízo financeiro ao rival.
“Em Fortaleza envolveu outras empresas que, utilizando-se de pessoas físicas ou determinados órgãos, entraram com múltiplas ações na Justiça Comum, no Ministério Público do Trabalho e na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), com o argumento de que a empresa portuária não estava associada ao Ogmo (Órgão Gestor de Mão de Obra) e, portanto, não poderia ter aquele contrato,” detalhou Bruna de Sá.
“As ações, que eram quase idênticas, mudavam apenas os autores e foram todas ajuizadas pelo mesmo escritório de advocacia. Esse padrão sugere uma tentativa coordenada de inviabilizar a operação da empresa”, completou.
Litigância predatória é o ato de ajuizar ações judiciais com petições iniciais sem documentos comprobatórios mínimos das alegações ou com materiais não relacionados à causa de pedir, frequentemente utilizando procurações genéricas e distribuindo processos idênticos para aumentar o volume de indenizações .Essa prática não apenas impacta negativamente a economia e o ambiente de negócios, mas também levanta preocupações sobre a eficiência e a credibilidade do Judiciário.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Moura Ribeiro, informou que mais de R$ 2 milhões são gastos anualmente em processos de litigância predatória, sem contar os custos operacionais. Ele mencionou que o tribunal já emitiu 17 enunciados para lidar com essa demanda, além de existir uma iniciativa na corte que visa coibir a prática.
O ministro sugeriu que uma possível solução para o problema seria uma abordagem mais rigorosa por parte dos juízes. “Meu voto, que eu já dei no STJ, diz que os juízes, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, podem exigir de modo fundamentado que a parte autora apresente documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas”, afirmou Ribeiro.
Mitigar o problema
Diante desses desafios, os participantes do painel “Reflexos da litigância predatória no setor de portos e aeroportos” no Nordeste Export destacaram a importância de medidas para combater abusos judiciais e garantir que os recursos financeiros do setor sejam utilizados de maneira responsável e eficaz.
Jurema Monteiro, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), revelou que 90% das ações no setor aéreo estão relacionadas a danos morais. Ela também destacou que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já fechou 46 sites que incentivavam a judicialização no país.
Monteiro mencionou ainda uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal que limita os impactos das indenizações materiais, alinhando-se às práticas internacionais. No entanto, essa questão levanta uma disputa entre o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Código de Defesa do Consumidor, e ainda não foi capaz de contribuir para reduzir o problema da litigância. “Hoje as regras no país criam uma facilidade que compromete o trabalho”, pontuou.
Para Fábio Silveira, sócio do Gallotti Advogados Associados, o combate às condutas da litigância predatória nos processos do setor aéreo poderia ser reduzido se houvesse “mediações, soluções consensuais de conflito, capacitação regulatória e uma legislação completamente clara”, declarou.
Ataíde Mendes Filho, consultor jurídico da Federação Nacional das Operações Portuárias (Fenop), enfatizou que a instituição tem trabalhado através da conscientização em eventos e congressos do setor jurídico para que os juízes conheçam melhor as questões do direito portuário e identifiquem essas demandas, possibilitando um tratamento mais equitativo ao setor. “Existem questões que precisam ser reavaliadas, especialmente as trabalhistas. Estamos tentando reduzir e conscientizar nos processos”.