Construída nos anos 1970 e depois abandonada pelas gestões posteriores, a BR-319 possui 880 km e atravessa uma região rica em biodiversidade na região amazônica. Foto: Divulgação
Região Norte
Liminar suspende licença prévia para asfaltamento da BR-319
A via é o principal acesso terrestre entre o Amazonas e Rondônia com o restante do país
Uma decisão liminar da 7ª Vara Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas suspendeu na quinta-feira (25) a Licença Prévia (LP n° 672/2022) para a reconstrução e asfaltamento do trecho do meio da BR-319 (Manaus-Porto Velho). A licença foi concedida em 2022, pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
A juíza Maria Elisa Andrade deferiu a ação civil pública ajuizada pelo Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil para discutir mudanças climáticas, que pedia a anulação da licença concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A via é o principal acesso terrestre entre o Amazonas e Rondônia com o restante do país e foi um dos temas do Norte Export 2024, que aconteceu nos últimos dias 22 e 23, em Palmas, no Tocantins.
Em nota, o Observatório do Clima disse que “a ação aponta que a licença desconsiderou dados técnicos, análises científicas e uma série de pareceres elaborados pelo próprio Ibama ao longo do processo de licenciamento ambiental”.
Entre os motivos determinantes da liminar, a juíza Maria Elisa acatou a necessidade de preexistência de governança ambiental e controle do desmatamento antes da recuperação da rodovia, sob pena de não se evitar o dano ambiental já previsto para as áreas do entorno.
Em seu despacho, a magistrada destacou que “se a destruição da Floresta Amazônica não pode ser evitada, a menos que previamente estabelecidas e efetivadas políticas públicas de controle, fiscalização, prevenção e repressão às infrações e crimes ambientais associados ao desmatamento e grilagem de terras públicas; não estamos a tratar de outra questão senão inviabilidade ambiental do empreendimento da BR-319, independentemente de quem seja responsável por tais políticas públicas de controle e prevenção do desmatamento. Logo, não se trata de ‘pré-condicionantes’ ao licenciamento, mas de verdadeira inviabilidade ambiental da obra, até que o cenário de governança ambiental e fundiária seja drasticamente fortalecido por diferentes atores públicos”.
A juíza também reconhece na liminar a necessidade de considerar estudos de impactos climáticos e que isso implica subdimensionamento do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), comprometendo tanto o controle governamental, como também o controle público.
“Em última análise, o subdimensionamento dos impactos ambientais de grandes empreendimentos tende a esvaziar compromissos nacionais assumidos para mitigar a crise climática”, diz a decisão.
Caso a liminar seja descumprida, uma multa de R$ 500 mil será aplicada sobre o patrimônio do agente público responsável.
Reação
A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, disse que fez-se justiça e ressaltou a importância da decisão. “A Licença Prévia concedida pelo governo Bolsonaro para a reconstrução do trecho do meio da BR-319 é nula. A LP que foi suspensa atestou a viabilidade de uma obra que gerará muita degradação ambiental e não há condicionantes nela que assegurem o controle da explosão do desmatamento que o asfaltamento da estrada vai causar”, afirma.
O secretário-executivo do órgão, Marcio Astrini, afirmou que o trabalho do Ibama e de seus técnicos venceu a decisão de cunho político. “A verdadeira condicionante para a estrada é que ela não acelere a destruição da floresta, e está bem claro que hoje essa garantia não passa nem perto de existir”, conta.
Conforme já noticiado pelo BE News, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou, no começo do ano, que a reconstrução da BR-319 é uma prioridade do governo, mas ressaltou que os estudos de viabilidade é que vão decidir se vai haver asfaltamento e como ele será feito.
Construída nos anos 1970, ainda durante a ditadura militar, e depois abandonada pelas gestões posteriores, a BR-319 possui 880 km e atravessa uma região rica em biodiversidade na Amazônia. Cientistas alertam para a pressão do desmatamento e do agronegócio na área. Atualmente, só os trechos próximos a Porto Velho e Manaus são trafegáveis. O “trecho do meio”, de 400 km, fica intrafegável na estação chuvosa.