O secretário executivo George Santoro diz que o volume de gastos cada vez maior com reparos demonstram a necessidade do Governo de de mudar os procedimentos do órgão. Foto: Divulgação
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Ministério dos Transportes busca infraestrutura resiliente ao clima
Em entrevista exclusiva, secretário executivo da pasta, George Santoro, cita a tragédia no RS como exemplo para rodovias e ferrovias se prepararem para novos desastres
Nos últimos anos, eventos climáticos extremos têm sido registrados com mais frequência em todo o mundo. No Brasil, desde que maio começou, o Rio Grande do Sul enfrenta uma enchente histórica, fruto de chuvas intensas que atingem a região e impactam, principalmente, no volume crescente de água do rio Guaíba.
Até o último dia 9, dados da Defesa Civil indicavam 107 mortos, 134 desaparecidos, 395 mil pessoas desalojadas e 1,7 milhão de munícipes afetados.
Em relação à infraestrutura, no dia 6 o estado chegou a contabilizar 108 trechos de 58 rodovias com bloqueios totais ou parciais. Com o grave cenário e o travamento da mobilidade rodoviária, o Ministério dos Transportes anunciou, no mesmo dia, a liberação de R$ 1 bilhão para a recuperação de rodovias federais.
Segundo a pasta, os gastos públicos somente com reparos de infraestrutura rodoviária e ferroviária impactadas por eventos climáticos não param de crescer. Em 2022, foram R$ 150 milhões; em 2023, quase R$ 800 milhões, e este ano, antes mesmo da crise que afeta os gaúchos, o Ministério já tinha utilizado R$ 600 milhões para obras com este fim. Agora, com o Rio Grande do Sul debaixo d’água, esse valor pode chegar até R$ 2 bilhões, estima o Governo.
George Santoro, secretário executivo do Ministério dos Transportes, enfatizou que esses números demonstram a necessidade de mudar os procedimentos do órgão em conjunto com as concessionárias que administram os modais de transporte no Brasil. “Nós vamos ter que fazer um trabalho de resiliência das infraestruturas, tanto de ferrovias quanto de rodovias, para enfrentar essas intempéries climáticas com as quais estamos nos deparando”, disse.
Em entrevista exclusiva ao BE News, George explica como a pasta pretende fortalecer a resiliência das infraestruturas em parceria com as concessionárias, para tentar, diante dos impactos dos fenômenos climáticos, adequar as estruturas de transporte às novas demandas.
O senhor poderia explicar o que são infraestruturas mais resilientes?
É prepará-las, por exemplo, para um fluxo de chuva muito mais intenso, um regime pluviométrico maior do que o normal, reforçar rodovias em alguns locais que são mais delicados. É organizar também, de alguma maneira, melhorias para que a gente possa contribuir com essa questão climática, prevendo o reflorestamento em alguns trechos de rodovias e ferrovias. A gente tem que trabalhar agora para diminuir o que vai vir lá na frente e, nesse primeiro momento, trabalhar com o que temos de possibilidades. É uma situação que necessita de organização dentro do Ministério, do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e na Infra SA.
O senhor disse que o Ministério dos Transportes deve gastar, só neste primeiro semestre, mais de R$ 1 bilhão para reparos em ferrovias e rodovias afetadas por desastres naturais e fenômenos climáticos, e que esses gastos crescem ano a ano. Como o senhor avalia este cenário, que vem piorando com o passar do tempo?
A gente está vivendo um momento de intensificação desses eventos climáticos extremos. Isso está acontecendo não só no Brasil, mas em várias partes do mundo. Estamos nos deparando com uma necessidade mais frequente de fazer intervenções do que no passado. Vemos o caso agora do Rio Grande do Sul, que não é meramente uma interrupção de uma pista ou o deslizamento de um talude. É o rompimento de pistas, perda de pontes, eventos que causam um sinistro na rodovia porque aplica uma despesa muito maior e uma necessidade de reparo emergencial. E isso, além de um elevado custo, impacta num gasto maior logístico. As pessoas vão levar muito mais tempo para ir de um lugar a outro e, em algumas situações, não há nem alternativas (de locomoção). E temos aumentado as despesas, comentei ontem (2) que a gente acredita que vai chegar a R$ 1 bilhão ao fim desse primeiro semestre, mas agora há pouco recebi uma estimativa preliminar que esse valor será só para o Rio Grande do Sul, para recuperar, desobstruir e reconstruir vias e pontes. É um gasto muito expressivo e que a gente vem trabalhando no Ministério para construir uma agenda de desenvolvimento de infraestruturas mais resilientes.
Já existe algum plano neste sentido?
A gente fez uma política pública prevendo isso (resiliência) para as rodovias e, até o início de junho, será publicada uma portaria para regular isso. No caso das concessões, prevemos destinar 1% das receitas das concessões rodoviárias para a transição energética e também para enfrentar essas situações e construir infraestrutura mais eficiente.
A pasta já identificou alguma região do país mais propícia a sofrer com os fenômenos climáticos extremos?
Nós concluímos a primeira fase de um estudo, inclusive divulgado pela ministra (do Meio Ambiente) Marina Silva, contratado em parceria com uma organização da Alemanha, que mapeou 1.300 municípios que vão passar por situações climáticas mais extremas. Ele traz estimativas de interrupções em rodovias, ferrovias, de locomoção. Na segunda fase, vamos detalhar as sugestões de medidas mitigadoras. Como este resultado preliminar, a ministra Marina propôs estruturar um orçamento destinado a essas cidades que vão sofrer mais com as intempéries climáticas, para que elas possam se preparar. Já o Ministério dos Transportes está olhando por outro lado: o que temos que fazer para manter a logística do país funcionando? Quanto temos que investir e de que forma? Concluiremos essa fase do estudo ainda no início do próximo semestre. Eu acho que a gente antecipou esses movimentos com esse mapeamento e agora temos que avançar dentro do planejamento do Ministério em relação a buscar orçamento e recursos para criarmos um programa que nos prepare para essas situações. Mas ressalto que no ano passado tivemos problemas com o clima em todas as regiões: em Santa Catarina, no interior de São Paulo, no Rio Grande do Sul, no Paraná, em algumas cidades do interior do Maranhão e em Minas Gerais. Não há um mês sem algum problema deste tipo em algum estado.
O senhor disse que é preciso mudar os procedimentos junto às concessionárias. Já existem ações previstas?
Vamos publicar uma portaria dando um caminho para aplicação desse 1% da receita da concessionária. Com 1% da receita de todas as concessionárias atuais e as que estão sendo contratadas, estimo cerca de R$ 300 milhões por ano – um valor bastante considerável para aplicar em infraestruturas e medidas mitigadoras, como a transição energética. Estamos deixando no programa a liberdade para a concessionária tomar a decisão, mas estamos induzindo os caminhos através desta portaria – ainda em análise na Secretaria Nacional de Rodovias. Esta portaria foi elaborada pela nossa Secretaria de Sustentabilidade e eu acredito que em breve ela será publicada, com todos os indicadores de como (este tema) será tratado.
No caso dos contratos mais antigos, eles serão atualizados ou haverá necessidade de renegociação?
Como é política pública, a gente aplica para todos os contratos daqui para frente e estamos otimizando vários contratos atualmente em discussão no Tribunal de Contas da União (TCU). Eu diria que a gente vai cobrir já de imediato até o final do ano mais da metade da malha contratada federal. Os demais contratos a gente vai ajustando aos poucos, conforme houver necessidade, introduzindo isso e reequilibrando. Acho que essa é uma agenda importantíssima para o Ministério.
Você acredita que se as concessionárias se preparem, elas conseguirão enfrentar os problemas trazidos pelo clima?
A gente tem conversado com elas sobre esse assunto, mas a ideia da Secretaria Nacional de Rodovias é promover alguns workshops debatendo esse tema para aumentarmos a conscientização. Claro que elas têm uma visão, pois estão em um contrato de longo prazo. E vamos incentivá-las através da destinação desse 1%, conforme expliquei.
Qual dos modais de transporte é mais afetado pelos fenômenos climáticos?
É normalmente a rodovia, mas agora no Rio Grande do Sul a gente está com uma ponte ferroviária praticamente colapsada. No início do ano tivemos um episódio em São Carlos. também numa ponte ferroviária, na malha Paulista, que teve que ser completamente reconstruída. Quando há um problema em uma ferrovia, o custo é muito mais elevado e a situação é pior. Na rodovia pode-se fazer um desvio, uma terraplanagem do lado e continuar funcionando enquanto a obra é feita. Já na ferrovia é muito mais complicado. Algumas soluções técnicas podem existir, mas, em geral, você vai ter que se virar para reparar o mais rápido possível, pois a interrupção daquele trecho logístico pode ter impactos gigantescos na economia do Brasil. Então, (economicamente) é mais impactante a ferrovia.
Há anos as mudanças climáticas e seus impactos vêm sendo anunciadas e discutidas, principalmente, por outros países. Como o senhor enxerga essa discussão no Brasil? O país demorou a se atentar para esses riscos? A Europa já está passando por isso e os países mais desenvolvidos já têm esses problemas mais perceptíveis do que o Brasil, né?
Na maioria das concessões europeias o pagamento da concessionária é pela disponibilidade da rodovia, ou seja, quanto mais horas do dia a rodovia estiver em funcionamento, maior o valor que ela ganha. É uma forma meio complexa. Mas se a rodovia tiver algumas interrupções, ela deixa de ganhar e há punições em relação ao pedágio que é cobrado. O Brasil vai ter de começar a trabalhar este tipo de conceito, não tem jeito, porque a gente também vai enfrentar eventos climáticos extremos com mais frequência. Temos que reconhecer os problemas, acreditar bastante na ciência e, a partir dessas informações (científicas), trabalhar.