Estilo BE
O contador de grandes histórias
Ruy Castro está entre meus autores preferidos. Gosto do escritor que escreve sobre tudo e nos surpreende nas colunas da Folha. Gosto das fascinantes biografias que escreveu sobre Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, esmiuçando suas vidas com primor e ética. E me encantei com “A vida por escrito – Ciência e arte da biografia, que tem sido muito útil. Nada parece sobrar ou faltar em seus textos. Em seu último lançamento, ele investiga os lados menos conhecidos de Tom Jobim em “O Ouvidor do Brasil, reunindo 99 crônicas. Ruy Castro passou pelos grandes veículos da imprensa, é Imortal da Academia Brasileira de Letras e continua acessível e sem estrelismos. Mas, convenhamos, ele é uma estrela.
Quando veio a certeza de ser um escritor?
A certeza de que seria jornalista foi aos cinco anos, quando comecei a abrir diariamente um jornal — no caso, o “Correio da Manhã”, do Rio. Toda a minha vida foi em função da palavra dita, escrita ou lida. Parece besteira, mas não é. Muitos garotos nascem com vocação científica, ou para desenhar ou para jogar futebol. Aos cinco anos, já sabia ler, escrever e escrever à máquina. Portanto, não tive escolha. Fui jornalista a vida inteira, profissional desde os 19 anos, mas a necessidade de trabalhar com o formato livro só me ocorreu aos 40, quando comecei a ter umas ideias que não cabiam nem num jornal ou numa revista. Contar a história da bossa nova, por exemplo, ou a vida do Nelson Rodrigues.
A primeira vez que fez entrevista com Tom você tinha 20 anos. Em algum momento veio a ideia de fazer biografia?
Do Tom, não, embora tenha sido convidado várias vezes, até por uma editora americana. Tom era maravilhoso como pessoa, mas sua vida não daria uma boa biografia. Para dar, uma vida precisa ter altos e baixos. A dele só teve altos. Mas é ideal para um livro de textos curtos, como o meu.
Ainda há o que falar sobre Tom?
Muito. Acho que o material que está em “O ouvidor do Brasil” tem surpreendido muita gente. Nele eu mostro o Tom que havia por trás do piano, com seus hábitos, preferências, manias e, principalmente, sua preocupação com a destruição do meio-ambiente no Brasil, desde o tempo em que não se falava nisso.
A melhor vingança é mesmo o humor?
Eu acho. Tenho uma visão humorada da vida, estou sempre vendo o ridículo em tudo, inclusive em mim. Talvez o contrário do ódio não seja o amor, mas o humor. Ódio e amor muitas vezes se confundem.
Quando leio suas crônicas parece que você senta e escreve, mas sei que não é assim. O que o inspira para os temas?
Essa impressão de facilidade é enganosa. Parece fácil de ler porque foi muito difícil de escrever. Cada crônica leva quatro ou cinco versões até ficar do jeito que você descreveu. O próprio ato de beber água não é tão simples — se você não prestar atenção engasga ou ela volta pelo nariz. Além disso, como diz um amigo meu, escrever é a melhor coisa que se pode fazer vestido. Beber água não tem tanta graça.
O que mudou o Ruy Imortal?
A rotina. Toda a tarde de quinta-feira agora é dedicada à Academia. Às vezes, também a de terça. Tenho orgulho de fazer parte de um grupo com tanta gente de valor e de grande importância na história do Brasil.
Já está escrevendo o próximo? Pode adiantar algo?
Sim. Será um livro em que estou trabalhando há cinco anos, para sair no primeiro semestre do ano que vem. Será sobre a Segunda Guerra Mundial no Rio.
Como você, que passou pelos principais veículos do país, vê esse momento do Jornalismo?
Sem muito otimismo. Temo que os jornais impressos morram antes que o pessoal dos jornais online aprenda a escrever.
O mundo está chato?
Para mim, não. Não tenho tempo para me chatear. Combato a chatice com o trabalho e, como você diz, com o humor. Além disso, tenho coisas importantíssimas para fazer nos intervalos do trabalho: andar pelo Rio, observar meus gatos e conversar com a Heloisa.
Envelhecer incomoda?
Já tive todas as mazelas possíveis de saúde exceto a morte e devo ser o cara mais examinado do Brasil. Na verdade, prefiro ir ao médico do que comprar roupa. Mas me sinto muito bem e, enquanto tiver condições de abrir a perna para atravessar uma poça d’água no meio-fio, está tudo ótimo!