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Nacional

“O prático vai a bordo para proteger a sociedade de acidentes”

29 de maio de 2023 às 9:26
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Em entrevista ao BE News, o presidente da Praticagem do Brasil, Ricardo Falcão, fala sobre o trabalho dos práticos e rebate mitos ligados a esses profissionais.

Serviço que conduz os navios na entrada e saída dos portos e outras áreas abrigadas, a praticagem ainda é muito desconhecida do público, inclusive no setor marítimo e portuário. Mesmo entre os poucos que sabem da sua existência, há aqueles que têm a visão simplista de que o prático é o profissional muito bem remunerado para “apenas estacionar embarcações”. Nesta entrevista, o presidente da Praticagem do Brasil, o prático Ricardo Falcão, fala sobre a atividade – de orientação da navegação das embarcações nos portos – e rebate mitos que cercam a profissão.

Presidente, por que as pessoas têm essa visão de que o prático é o profissional que ganha muito para “estacionar” navios?

Essa mensagem é disseminada por aqueles que querem pagar menos pelo serviço para aumentar o lucro da viagem, apesar de a praticagem não representar nem 1% do frete marítimo. E a mensagem acaba sendo propagada pelos que desconhecem a atividade. Desconhecem o nível de especialização do prático, o risco que ele corre a cada embarque, a responsabilidade ambiental que ele administra e os elevados custos de prestação do serviço.

E como é o trabalho do prático?

O prático é o profissional que pilota o navio não somente na atracação e desatracação, mas em toda a sua navegação no canal de acesso ao porto. Essa navegação é complexa e pode se estender por 25 milhas náuticas, 46 quilômetros – até terminais como no Rio de Janeiro ou no Paraná – a 615 milhas, 1.138km – como na Amazônia, viagem que pode durar quatro dias com dois práticos se revezando na ponte de comando.

E como acontece este trabalho a bordo?

Na ponte de comando, o prático dá ordens de leme ao timoneiro e de máquinas ao comandante ou a um dos oficiais de serviço, todas em inglês. Além disso, dá ordens de puxar e empurrar aos mestres dos rebocadores, na sua língua nativa. Ele também monitora o tráfego ao redor, combina cruzamentos com outros navios e coordena o serviço de amarração.

Por que o comandante do navio não pode realizar o trabalho, sendo ele um oficial de náutica?

Ele é treinado para a navegação em alto-mar, longe dos perigos, chamada de ship manoeuvrability. Já o prático recebe treinamento para navegar e manobrar em águas mais restritas ao tráfego, onde as embarcações se comportam de maneira diversa e existem condições com as quais o comandante não está familiarizado, como ventos, correntes, ondas e marés. Esse treinamento se chama shiphandling. Ambos são traduzidos como manobra, mas têm significados bem diferentes. 

Como é a formação do prático?

O prático é selecionado em processo seletivo público realizado pela Marinha do Brasil, que é quem regula a atividade. Para participar, ele precisa ter curso superior e habilitação de mestre-amador. É uma seleção totalmente específica, em que o candidato deve estudar temas como manobrabilidade do navio, arte naval, navegação em águas restritas, meteorologia, oceanografia etc. Este processo é para praticante de prático. Isso significa que, depois de aprovado, ele participa de um programa de qualificação no qual executa centenas de manobras supervisionadas durante o mínimo de um ano. Só então, o praticante pode prestar o exame de habilitação para prático, a bordo de embarcação. Para se manter habilitado, o prático deve realizar uma quantidade de manobras por período, já que a profissão exige a manutenção da experiência em diferentes navios e manobras. Além disso, a cada cinco anos, ele é obrigado a completar um curso de atualização.

Quais os principais desafios da profissão?

Cada zona de praticagem apresenta suas particularidades geográficas e ambientais, além de limitações em infraestrutura portuária. Mas, em geral, todos lidamos com a inércia dos navios em canais e bacias de giro, onde não há espaço para erros. Para se ter ideia, graneleiros ou petroleiros de médio para grande porte podem, mesmo utilizando máquina atrás, avançar uma milha náutica até a parada completa, ou seja, 1.852 metros. Por isso, antecipação é crucial no trabalho da praticagem. Condições ambientais inesperadas, como um vento acima do limite, também podem ocorrer no meio da manobra, assim como emergências, como um leme travado, falha de máquina ou apagão do navio. Tudo isso acontece em áreas mais restritas à navegação, em meio a prédios nas margens do canal, praias e reservas ambientais.

Por que a praticagem diz que o Estado é o seu cliente, se é o armador que paga pelo serviço?

Justamente porque o prático vai a bordo para proteger a sociedade de acidentes que podem provocar severa poluição ambiental, mortes, danos ao patrimônio público e privado e fechamento de um porto para a economia. Não à toa, a praticagem é um serviço essencial por lei federal, devendo estar permanentemente disponível 24 horas, sete dias por semana, nos 365 dias do ano. Sinistralidade mínima é um dos princípios da Organização Marítima Internacional (IMO) que regem o serviço de praticagem. Prático a bordo é sinônimo de praias limpas, turismo, pesca, subsistência de ribeirinhos e população abastecida. 

E sobre a remuneração? Por que não se fala sobre o salário?

Prático não recebe um salário fixo mensal de um empregador. Ele é selecionado pela Marinha para trabalhar em uma empresa privada, como sócio, recebendo parte do lucro após o pagamento dos custos da empresa. As empresas de praticagem têm a política de não divulgar o ganho dos sócios por entender que essa é uma questão pessoal que afeta o direito à privacidade, assim como um médico ou advogado não sai por aí dizendo quanto ganha. Todas as informações que aparecem sobre ganho individual são imprecisas e não partem das empresas de praticagem, até porque este valor varia muito dentro de uma zona de praticagem e entre zonas de praticagem diferentes, de acordo com a quantidade de navios atendidos no período. O que podemos afirmar é que a remuneração é condizente com o que falamos até aqui: o nível de especialização, o risco de morte em serviço, a responsabilidade ambiental e os custos de prestação do serviço.

Que custos são esses?

Custos advindos de padrões de operação exigidos nas Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem, a Normam-12. Usamos lanchas para embarcar e desembarcar o prático que custam milhões de reais e precisam de manutenção regular. São embarcações com características especiais de manobrabilidade, estabilidade e potência de máquina, capazes de suportar o contato direto com os navios. A norma também exige equipamentos mínimos para o funcionamento dos nossos centros de operações. Essas estações, chamadas de atalaias, são dotadas de alta tecnologia e fornecem as informações de apoio para a tomada de decisão do prático a bordo, como a situação do tráfego e os dados ambientais. Toda essa estrutura deve estar disponível durante o ano inteiro. E essa prontidão ininterrupta tem um custo considerável, inclusive de pessoal, fora outros investimentos que realizamos para compensar limitações portuárias, como as lanchas de batimetria que identificam assoreamentos. 

Faltou falarmos da questão do risco de morte. É no momento do embarque e do desembarque que se faz presente?

Exatamente. O prático embarca de sua lancha no navio em movimento, a partir de uma escada estendida no costado da embarcação, chamada de escada de quebra-peito. Ela pode ser combinada com uma escada de portaló, inclinada, quando a distância da superfície da água até o ponto de acesso à embarcação supera os nove metros, evitando uma longa escalada do prático. O problema é que esses dispositivos dos navios muitas vezes estão malconservados ou instalados incorretamente. Em 2022, 16,79% estavam irregulares, de acordo com a pesquisa anual de segurança da Associação Internacional de Práticos Marítimos (IMPA). Infelizmente, todo ano um prático morre em serviço no mundo. Este ano, lamentavelmente já foram sete.

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