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O tempo da cura, o tempo da vida

28 de janeiro de 2024 às 14:11
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor

Vários estudos mostram que estamos vivendo uma epidemia de solidão como nunca se viu na história. E mesmo estando conectados o tempo todo, não é fácil lidar com o tempo que parece correr mais rápido e as exigências que chegam por todos os lados. Marco Antonio Spinelli, médico psiquiatra e psicoterapeuta de orientação junguiana costuma dizer que um dos instrumentos de tortura mais terríveis e bem humorados de Deus é o tempo das coisas. Tudo é para ontem, e nos quadros ansiosos e depressivos o tempo é vivido como uma tortura, como uma noite escura. “Nós não conseguimos nos curar da nossa condição humana. E a nossa condição humana é essencialmente de seres que estão em falta, incompletos, de seres que estão com alguma dor”. 

Confira a entrevista exclusiva:

A cura tem um tempo na psiquiatria e na psicoterapia?

Na prática, é um verdadeiro desespero o tempo da cura. Eu costumo brincar com meus pacientes que essa especialidade é sem pressa, tem um tempo. Se eu tivesse pressa eu iria trabalhar em resgate. 

 

Muitos pacientes reclamam de psicanalistas que escutam e não falam nada. Por que incomoda?

Geralmente são da linha psicanalítica onde a escuta e o silêncio são muito importantes. O terapeuta tem que manejar bem essa escuta, senão o paciente se sente abandonado no silêncio, acha que você está lá sem realmente prestar atenção nele. 

 

Escutar é melhor do que falar?

O tempo da sessão é interessante porque a escuta é uma parte importantíssima. Há um estudo recente mostrando que se você associa o tratamento medicamentoso a uma boa escuta, o resultado é significativamente melhor, com índice resposta de 80%, além de menor tempo de melhora; entre os que não são ouvidos com o mesmo interesse, o índice é de apenas 30%. Os planos de saúde e o sistema de saúde como um todo lucrariam muito se treinassem o médico para ter essa escuta empática,  multiplicaria o resultado. Também na área empresarial, o líder que tem uma escuta ativa e interessada tende a ter melhores resultados.

 

As pessoas estão muito perdidas. Ainda é consequência da pandemia?

Eu cheguei a falar que para a psiquiatria, o pior seria a pós-pandemia. Os números mostram que ficou muito abaixo a morbidade psiquiatra, não foi a tragédia que todos esperavam. O problema é que a volta à vida normal e presencial ainda está se dando. E ocorreu uma piora global de sono e de tempo na vida das pessoas. 

 

O tempo mudou na pandemia?

A temporalidade mudou. Você passou a ter duas horas a mais de vida que ficava no trânsito. Quando acabou a pandemia, tivemos que dolorosamente voltar à rotina e ao trânsito que hoje está ainda pior do que na pré-pandemia. Você de novo tem a sensação de que o tempo não dá para nada. Muitas pessoas aproveitaram mal o tempo a mais porque as empresas aumentaram o trabalho em casa. Muita gente com Síndrome de Burnout (esgotamento profissional) durante a pandemia por excesso de tela, até a fadiga do zoom foi descrita.

 

E por que a piora agora?

Teve gente que conseguiu mudar a temporalidade durante a pandemia, conseguiu fazer coisas para a vida pessoal, ter uma refeição em casa conversando com a família, com amigos, ter tempo para si. Por isso veio a  piora após a pandemia, seja pelo próprio estresse da doença, pela volta ao ritmo anterior ou pelas sequelas que ficaram, vários sintomas, inclusive a Covid longa. Voltar ao corre corre não está fácil.

 

Por que é tão difícil administrar o tal tempo?

O tempo da era digital se acelerou muito. Somos solicitados pelo excesso de informação, vem sempre a sensação de que você está atrás pela velocidade das coisas. E também você consegue empreender mais. Parece uma máquina de moer carne, se sente atropelado.

 

E o que fazer?

 O mindfulness é uma reação que vem desde os anos 90 à essa temporalidade maluca, é você desenvolver esse “eu testemunha” que olha de fora para você não ficar o tempo todo na roda vida. Tentar fazer uma coisa por vez, em vez de quatro ou cinco tarefas ao mesmo tempo, uma doença dessa época. Nosso cérebro não é multitask (multitarefas), a atenção alterna e não dá para fazer bem. As pessoas do mundo corporativo, da geração dos  millennials, estão se queixando muito da geração Z, porque esses jovens ficam com cinco ou seis janelas abertas ao mesmo tempo e não conseguem concluir funções; por isso é interessante pensar na influência do sistema do Windows em nossa psique. 

 

A vida digital afastou as pessoas?

Sim, há estudos que mostram que estamos vivendo uma epidemia de solidão como nunca se viu na história. E estamos conectados o tempo todo. Provavelmente o que dá essa sensação de isolamento é a falta de contato presencial. O principal ponto de orientação é pela fala, dá o dobro da energia necessária a presença e a interação, favorece a intimidade de microestímulos que na psicanálise, por exemplo, favorece muito, flui melhor.

 

Essa angústia e solidão também estão presentes nos jovens, não?

Essa transição hoje entre os 18º e 25 anos é uma travessia extremamente perigosa. Aliás, toda travessia entre os 11 e 25 anos é complicada. Dá para entender a decisão de muitos casais quando fazem a opção de não ter filhos. Ter filhos virou uma sobrecarga.

 

O que mais ‘pega’ para os jovens?

 A sensação de não ter futuro é muito séria para os jovens. A civilização digital, as alterações de humor dos jovens são exacerbadas por essa sensação. A transição para a vida real, para o mundo em que você vai falhar e enxergar um caminho é difícil. As redes sociais aumentam a sensação de dor, de agressão. Enquanto a adolescência é mais vigiada, a fobia de virar adulto tem aumentado muito a morbidade e as doenças da faixa etária dos 18 aos 25 anos. 

 

O tempo na velhice também é um estresse?

Sim, é um risco, eu chamo os 50+ de nova adolescência, há picos de depressão e suicídio nessa fase. Como estamos na civilização em que a mídia está muito voltada para os jovens, chegar à fase de envelhecer traz revisão de vida, ver os planos aquém dos idealizados, ver o potencial reduzido. Você tem a fantasia que você vai plantar a vida inteira e vai colher. E chega nos 50, 60 e até 70 e está ralando. Para quem ainda está no jogo é melhor, mas a sensação de estar excluído, de não saber como será mais tarde é uma fonte de estresse enorme. É importante procurar grupos de interesse para se sentir inserido na vida. 

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