A Amazônia como almoxarifado
A discussão que pauta a Amazônia leva em consideração dois aspectos: financeiro ou ambiental. Há nela a única percepção de um grande almoxarifado para ser explorado. Há pouco de geopolítica em uma abordagem mais ampla, há quase nada sobre as pessoas que aqui vivem e a discussão ambiental que permeia é mais uma preocupação egoísta, consigo e o aquecimento global, do que uma preocupação com seus habitantes, com seus modos de vida que podem ser destroçados por contaminações invasoras, físicas, psicológicas ou culturais.
Há uma única pauta em debate: a econômica. Questões sociais, culturais e ambientais estão muito mais vinculadas com curiosidades do que pautas de políticas públicas construtivas. Quando qualquer outro tema é colocado, é sempre para o ataque e destruição. Perdemos a capacidade de dialogar sobre construções possíveis para a sociedade ou aumentar a densidade dos questionamentos geopolíticos que permeiam as questões, como a afirmação da ministra das Relações Exteriores da Alemanha na última semana, Annalena Baerbock, quando afirmou que seu país deveria ser menos dependente da China.
Há riscos geopolíticos a todo instante e os debates são reduzidos ao bem contra o mal, sem superar o maniqueísmo, há tanto já superado por Agostinho (Santo ou Filósofo, conforme a preferência do leitor). As discussões ambientais estão reduzidas a um proteger cegamente versus uma destruição inconsequente. Nas pautas de debates inexiste a busca de convergências, do caminho do meio ou do percurso com maiores benefícios do que custos no longo prazo. Tudo que busque maior reflexão ou esforço está fora do debate. É como se houvesse a possibilidade de um mundo binário, em uma eterna guerra. Precisamos deixar a era da barbárie e da falta de diálogo, encontrando o racionalismo, para a Amazônia poder superar os erros brasileiros do passado, já vividos na Mata Atlântica e em tantos outros biomas.
Mesmo para ser um bom almoxarifado, seus produtos devem transcender a visão extrativista dos anos 1500, mineral ou do agro contemporâneo, seja, ou não, tec ou pop. O que mais intriga sobre a Amazônia, para aqueles que só querem percebê-la como um almoxarifado, é que, para este depósito ser realmente valioso, será necessário interagir com as suas pessoas e seu conhecimento tradicional. Será necessária muita ciência e investimento. Sem estas ações, estaremos condenados a repetir os modelos destrutivos do passado. Isso valerá para qualquer caminho: proteção verdadeira, fingimento de proteção ou de destruição total.
Em qualquer das alternativas, o que terminará acontecendo será uma destruição gradual, repetindo a história. Precisamos encontrar o diálogo ou, pelos movimentos pendulares da história, teremos uma resultante destrutiva. Para sair desta enrascada precisaremos começar a considerar ouvir os milhões de habitantes da região. Sem ouvi-los e sem considerá-los, repetiremos o erro colonizador, opressor e que impõe os desejos do império a qualquer preço. Por outro lado, o modo de vida que queremos construir na Amazônia é colocar luz ou internet para todos?
Será que só existe um modo de vida possível e saudável no mundo? Não tenho clareza da resposta para esta pergunta, mas é uma dúvida que me persegue todas as vezes em que reflito sobre o que seria uma Amazônia próspera no longo prazo. Não percebo esta dúvida sendo enfrentada por um grupo grande de Antropólogos ou Filósofos. Todavia, sem esta questão superada, estamos condenados a repetir no Pará o que foi feito em Minas Gerais, ou no Amazonas o que foi feito no Mato Grosso. Será o melhor? Para mim, esta é a única dúvida em que cheguei a uma resposta: não. Todavia, tenho a certeza de que estamos caminhando nesta direção.