A epopeia do Oeste baiano
Em meados do século passado, a presença da Bahia na agricultura nacional restringia-se à condição de maior produtor de cacau do País. Desgraçadamente, esta lavoura foi arrasada pela vassoura-de-bruxa, que a vitimou a partir dos anos 1980. Felizmente, agora em franca recuperação – inclusive de preço –, o cacau terá, no entanto, perdido definitivamente a liderança do agro baiano para a moderna e dinâmica agricultura de grãos do Oeste baiano.
Em 1974 fiz minha primeira viagem ao vale do São Francisco, realizando, para o antigo Centro de Pesquisas e Estudos (CPE), um estudo pioneiro sobre a Região Administrativa de Santa Maria da Vitória. Perguntei, então, o que era aquela vastidão de terras situadas mais a oeste, onde não havia cidades. Eram os chamados “gerais” – responderam-me – uma terra que, segundo os locais, não servia para nada; apenas para soltar o gado quando a seca apertava no vale. Estavam errados. Era o cerrado!
Em 1980, já como diretor do então Centro de Planejamento da Bahia (Ceplab), propus a criação do Programa de Ocupação Econômica do Oeste, logo abraçado pelo governador Antônio Carlos Magalhães, a partir de quando se deu a efetiva integração do então “Além São Francisco” à Bahia.
Rebatizamos a região! Os primeiros “gaúchos” apenas começavam a chegar, na verdade paranaenses desapropriados de Itaipu. Nascia o que é hoje o Matopiba, acrônimo de toda a grande fronteira agrícola do Nordeste, onde o Oeste baiano lidera, com maior área cultivada e cerca de 50% da produção.
Por coincidência, e sorte pessoal, tendo assumido a Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado, de 1982 a 1986, pude dar continuidade ao programa, fazendo convênios com as prefeituras de Barreiras, São Desidério e Riachão das Neves, que deram origem às primeiras escolas, unidades de saúde e delegacias de polícia do cerrado baiano. Secretário novamente, de 1991 a 1994, pude assegurar a continuidade da estratégica Ocupação Econômica do Oeste, inclusive elaborando o programa de Corredores Rodoviários, financiado pelo BID, fundamental para viabilizar a acelerada expansão da área cultivada.
A Bahia passou a ter presença significativa no agro nacional, ocupando hoje a 7ª colocação no ranking estadual, com uma produção, em 2023, da ordem de 13,4 milhões de t, em 3,4 milhões de ha, com participação de 4,2% na produção, sendo o segundo maior produtor nacional de algodão. São Desidério e Formosa do Rio Preto são presenças constantes na liderança nacional do PIB Agropecuário Municipal.
O Oeste conta atualmente com uma produção agrícola e pecuária diversificada, moderna, de elevada produtividade, dinâmica e eficiente. Até da pesquisa, os produtores cuidam. A Fundação Bahia e o seu modelo de governança é algo a ser replicado. O gargalo na infraestrutura é que tem feito com que o Oeste baiano deixe de ter um ritmo mais rápido de expansão, desperdiçando oportunidades.
O crescimento vem se apoiando fundamentalmente em ganhos de produtividade, enquanto a carência de infraestrutura estrangula a capacidade de expansão, com graves prejuízos para a economia baiana. Nessa área, praticamente todas as frentes requerem atenção e prioridade.
A conclusão da FIOL II é uma obra indispensável, fundamental e estratégica, para permitir a interligação do Oeste baiano e outras áreas do Matopiba com os portos do litoral baiano.
Felizmente está sendo realizada licitação, pelo Ministério dos Transportes, para um último lote, entre Correntina e São Desidério. Feito isto, estão postas as condições para concessão do trecho, o que precisará ser feito em conjunto com a FIOL III e a FICO I e II, proporcionando a formação do corredor Centro-Leste, nacionalmente importante e estratégico.
O sistema rodoviário está a necessitar de um novo programa de Corredores Rodoviários, como o que foi feito nos anos 1990, agora beneficiando mais a parte sul da região, para permitir a plena incorporação das áreas de Cocos, Jaborandi e Correntina – nova frente de expansão intra regional – no processo de ocupação econômica, além de beneficiar novas áreas na parte norte – contemplando Formosa do Rio Preto, Riachão das Neves e Luiz Eduardo Magalhães com o “colar da soja” – além da conclusão da BR-135, entre Correntina e São Desidério.
Enquanto a FIOL I e II não entram em operação, atenção especial precisa ser dedicada à BR-242, com sua conservação em boa qualidade, implantação de terceira faixa e duplicação em vários trechos – inclusive entre Luiz Eduardo Magalhães e Barreiras – para permitir o escoamento das safras pelos portos baianos. Na falta de recursos públicos, não seria o caso de uma concessão?
A disponibilidade de energia, carente de novas subestações e linhas de transmissão, tem sido um serviço essencial muito negligenciado pela concessionária e pelos poderes públicos, muitas vezes procurando jogar nos ombros dos produtores sua implantação, onerando os projetos.
Finalmente, agora em março, talvez preocupada com objeções à renovação de sua concessão, a Neoenergia Coelba dispôs-se a dialogar com os produtores, através de suas entidades – a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA) e a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (ABAPA) – para, enfim, delinear um programa de investimentos, capaz de solucionar o déficit de energia. Falou-se em um incremento de 70% na oferta nos próximos quatro anos. Mas esta é uma promessa apenas para corrigir o déficit atual, numa região onde a oferta de energia precisa constituir fator de atratividade de novos investimentos privados que, aliás, têm vindo espontaneamente.
O Aeroporto de Barreiras continua desprovido de condições mínimas para atender às necessidades da região. É preciso torná-lo um aeroporto regional, dotando-o de condições físicas, tecnológicas e operacionais compatíveis com a importância da área.
O Aeroporto Regional do Oeste Baiano é uma prioridade indiscutível e não pode ficar de fora, quando o governo federal promete um programa de 200 novos aeroportos regionais no país.
Numa área de produção moderna, inclusive praticando agricultura de precisão, a disponibilidade de serviços de telecomunicações é indispensável, para permitir o monitoramento do campo e a gestão da produção.
Indicador indireto da pujança da região, a Bahia Farm Show – segunda mais importante feira de negócios do agro brasileiro – realizada anualmente em Luiz Eduardo Magalhães, em área de 24ha, reúne mais de 400 expositores, recebe 100.000 visitantes e movimenta R$8 bilhões em negócios, atraindo novos investimentos.
No município de Correntina, a vila de Rosário floresce como uma nova cidade do agro. Aí se realiza a AgroRosário, nesse que é um novo centro de negócios da região, na junção da BR-349 com a BR-020, um estirão rodoviário cuja implantação defendi e viabilizei, embora, à época, muitos temessem a perda da influência da Bahia sobre a sub-região.
E o processo de industrialização avança. Ainda agora, através do Projeto Farol, a região ganhará duas biorrefinarias de etanol de milho – uma na área de influência de Rosário, a outra em Luís Eduardo Magalhães – ambas importantes zonas de produção desenvolvidas nos “gerais”.
A expansão da infraestrutura constitui, hoje, condição essencial e indispensável para que o Oeste baiano possa, em poucos anos, dobrar a sua contribuição para a economia nacional.