A fantasia do tempo
O tempo é este em que nos mantemos vivos. Mas não só. É também o momento que vivemos um dia ou que esperamos viver. O tempo é o que determinamos. Pode ser o que gostaríamos ter vivido, ou que viveremos por sorte ou destino. Mesmo que em fantasia.
Pois é isso que o bilionário australiano quer propiciar aos mais abastados para os quais o tempo real pode ser o da História, o tempo que outros não viveram, mas que gostariam de ter vivido, como embarcar num navio, desafiando o tempo real que fez a todos naufragar e perecer nas águas profundas do mar.
Não me sai da cabeça o que pode levar centenas de pessoas a reproduzirem o legendário cruzeiro do infausto Titanic. O bilionário Clive Palmer, pela terceira vez, promete realizar o sonho de lançar ao mar a réplica do navio, partindo de Southampton, em pleno 2027, para que centenas de outros sonhadores possam recriar o que não viveram.
A empresa do magnata, a Blue Star Line, quer partir da Inglaterra rumo a Nova Iorque, e depois a qualquer outro destino que a fantasia do mercado sugerir. O que ele pretende é um business do chamado “turismo de experiência”, segmento diferenciado daqueles que simplesmente querem ir à Disney ou a Paris. Há seres insatisfeitos sequiosos de viver além da realidade de terras atuais, como montar num camelo, tocar em um tubarão ou descer na Lua. São seres que vislumbram desbravar a História.
Turistas da experiência real não têm seus sonhos incompreensíveis. Mas retroagir no tempo e vivenciar a aventura de desafortunados me intriga. Vive-se o que se quer, real ou imaginário, próprio ou idealizado numa incorporação momentânea de vidas passadas. Talvez esse seja o prazer supremo que levará algumas pessoas a retroagirem no tempo e desafiá-lo reescrevendo o destino de tantos passageiros sucumbidos.
O que faz alguém ter o prazer de viver o que outros viveram e não resistiram? É o prazer de vingar o destino? Dizer intimamente que nem tudo teria sido necessariamente como foi? Ou é querer sentir na pele a emoção de estar a bordo do cruzeiro mais moderno de 1912, sabendo que vergaria em algum momento na tormenta dos vagalhões do mar profundo, mas com a segurança de que na revisão da História será bem-sucedido?
Imagino os futuros passageiros, que a rigor penso que devem embarcar em trajes da época. Alguns atraídos pelos holofotes da exclusividade. Outros pelo simples prazer da novidade. Outros tantos pela busca de uma realidade que não viveram mas gostariam de ter vivido não fosse seu tempo outro. Ou ainda, para se sentir Leonardo DiCaprio ou Kate Winslet, à beira da proa nos derradeiros momentos de um amor fatal. De qualquer forma, uma fantasia.
Mas o que é o tempo se não um momento que já existiu ou que poderá existir, mesmo que em incontível ilusão?