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Luiz Dias Guimarães

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  A inveja do vira-lata

Dois mais dois pode ser zero. O coletivo é resultado das individualidades. E quando a singularidade é defeituosa, o coletivo padece. Algumas evidências mostram o quanto podemos ser destrutivos no desenlace da vida em sociedade.

O brilhante Osires Silva, que entre outros feitos criou a Embraer, perguntou um dia a três membros do comitê do Prêmio Nobel por que, ao contrário de tantos países, inclusive os sulamericanos, o Brasil nunca foi laureado. Um deles acabou confessando que sempre que algum conterrâneo é cogitado, o mundo tupiniquim desaba em críticas, enterrando as chances de muitas personalidades notáveis.

Isso mostra que a inveja é constante e fatal. Também o consagrado autor e intérprete da música portuguesa, António Zambujo, lamentou no jornal Expresso: “Em Portugal há preconceito com o sucesso. Parece que as pessoas não podem ter sucesso, um certo tipo de público deixa de te seguir.”

Pelo visto, a proceder o comentário do capa preta nobelesco, a inveja é uma característica brasileira, mas não sua exclusividade. É na manifestação da inveja que a aritmética enlouquece subtraindo ao invés de somar.

Há de existir explicação para tal. A frustração e o fracasso são ingredientes da torpeza de caráter. Se eu não sou, ninguém será. Vivo numa cidade meio satélite de grande capital. Que por regra sempre capturou os melhores talentos, como é natural. Indivíduos com competência e determinação buscam os melhores palcos para realizar seu sucesso. Consequência é que entre os que ficam, há muitas vezes o sentimento de insucesso, e daí a inveja e maledicência.

Mas não é só isso. O dramaturgo Nelson Rodrigues celebrou o conceito “complexo de vira-lata”. Esse sentimento às vezes presente nos desestimula a andar para a frente, e nos enfraquece. Talvez ao  enfraquecer nossa autoconfiança surja o sentimento de inveja.

A conduta individual reflete algumas imperfeições nossas, frágeis seres que somos. Muitas vezes não compreendemos que nosso sucesso independe da realização do outro. Além do que deveria nos estimular. Mas é problema quando dois querem a mesma coisa.

Nessa hora as imperfeições exercem sua mais cáustica evidência. A disputa é a mais primitiva atitude, e isso vale para os homens e para as nações – que são lideradas por homens por vezes torpes.

O amor e o ódio são igualmente frutos do sentimento, um caldeirão no qual despejamos os valores adquiridos, éticos e morais, o conhecimento e a vivência. Frequentemente  somos incapazes de neutralizar as frustrações, os preconceitos e a inveja. Daí brota o ódio, que se sobrepõe ao instinto do amor.  

Desde quando Nelson Rodrigues lançou o conceito do vira-lata eclodiram inúmeras interpretações para isso: miscigenação, falta de cultura, educação precária e clima tropical. Talvez sejam ingredientes, mas haveria de prevalecer o ímpeto da harmonia, caminho reto para a felicidade.

Sei que é querermos demais. Muitas condições não ajudam. No universo contemporâneo a vida adquire mais nuances de tragédia individual e coletiva, quando a mistura de tantas inversões de valores predomina em nossas mentes e corações.

Um dia o inspirado escritor uruguaio Eduardo Galeano observou que são tempos sombrios: “Vivemos em um mundo onde o funeral importa mais do que o morto…” É a cultura da embalagem, não do conteúdo. Quando nos colocamos na prateleira do supermercado da insensatez e do horror.

 

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