A Rua Chile renasce
Quando cheguei em Salvador, no longínquo 1961, vindo de Ipiaú para estudar na Capital, a Rua Chile era o point central da Cidade. Ali estavam o Governo do Estado, no Palácio Rio Branco, e a Prefeitura Municipal, na antiga Casa de Câmara e Cadeia. A Praça Municipal se completava com os prédios da Imprensa Oficial e da Biblioteca Pública; na rua da Misericórdia, a Delegacia de Jogos e Costumes. Desde então, a sorveteria Cubana já estava no Elevador Lacerda.
Dentre as atividades comerciais da rua Chile destacavam-se a Loja Duas Américas – com sua pioneira escada rolante – a Sloper, a Livraria Civilização Brasileira, o Café de Bernardete, a alfaiataria de Spinelli, o Adamastor (do pai de Glauber Rocha), os hotéis Palace, Meridional e Colonial, a Associação dos Empregados no Comércio da Bahia, com a Farmácia Chile no térreo. Os edifícios de escritórios tinham todas as suas salas ocupadas por médicos, dentistas, advogados e outros profissionais liberais.
Na praça Castro Alves, onde se inicia a rua, o Cineteatro Guarani, o jornal A Tarde e a Secretaria de Agricultura, aonde fora, no passado, o local do Teatro São João.
No meio da multidão, em 1968, acompanhei o presidente do Chile, Eduardo Frei, percorrer a pé a famosa rua – a primeira do Brasil – que, a partir de 1902, recebera o nome do seu país.
Hoje, o renascimento da rua Chile – antiga Rua Direita das Portas de São Bento, do século XVI – desponta como fato marcante na recuperação do Centro Histórico de Salvador.
Os hotéis foram os primeiros a chegar: o Hotel Palace ressurgiu, pelas mãos do grupo Fera, que adquiriu na região vários imóveis e, pouco a pouco, vem fazendo importantes retrofits. O prédio de A Tarde também se tornou hotel, através da Prima, uma empresa espanhola. O Palácio Rio Branco vai transformar-se em mais um hotel de luxo, comandado pelo mesmo grupo que implantou o Rosewood em São Paulo.
O prédio da Associação dos Empregados no Comércio, retrofitado como Palacete Tira-Chapéu, abriga um diversificado centro gastronômico e cultural, e os antigos edifícios comerciais estão, pouco a pouco, sendo transformados em residenciais de alto padrão: depois do Ed. Gorges, agora o prédio que abrigou a Sloper seguirá o mesmo caminho.
Na praça Castro Alves, o Guarani tornou-se Cine Metha Glauber Rocha. Na rua da Misericórdia, seu prolongamento até a praça da Sé, a Santa Casa de Misericórdia instalou, em sua antiga sede, o imponente Museu da Misericórdia. E, na Ladeira ao lado, o Espaço Coati, projeto de Lina Bo Bardi, vai tornar-se um novo centro cultural.
O extenso e múltiplo Centro Histórico de Salvador vem sendo recuperado pouco a pouco, ainda que muito lentamente. Depois da restauração do Largo do Pelourinho e seu entorno, pelo governo do Estado, no início dos anos 1990, da qual participei ativamente, como coordenador do projeto de revitalização, houve um grande hiato até à recente reabilitação da Praça Cairu, uma iniciativa da Prefeitura Municipal, que também transferiu para o bairro do Comércio várias de suas secretarias. O Santo Antonio Além do Carmo dinamiza-se endogenamente, depois de haver recebido benfeitorias na infraestrutura de sua Rua Direita, realizadas pelo governo do Estado.
A rua Chile e a Praça Castro Alves, também beneficiadas com serviços de infraestrutura, inserem-se neste processo de regeneração urbana de forma autônoma, fruto de iniciativas empresariais, algo novo na revitalização do nosso Centro Histórico.
Curioso observar que todas estas iniciativas são promovidas por empresários e empresas de fora da Bahia. Como única exceção, para confirmar a regra, um velho casarão está sendo recuperado, na travessa Vidal da Cunha, por iniciativa de um grupo de arquitetos locais, para instalação de uma pousada.
Alternativas e oportunidades não faltam, no vasto e diversificado Centro Histórico de Salvador.