A soberba do tempo
Não sei por que corri tanto na vida. Enganei-me com o sentido do tempo. Hoje sei que só o pulsar do coração é real. O relógio é apenas convenção a organizar o meu dia, enquanto percorro um espaço que também não tem a dimensão que imaginei.
Os gregos chamaram de Cronos essa marcação do tempo. A mitologia o tinha como deus. Mas seu filho Kairós criou outro tempo, do momento certo. Tudo acontece quando deve acontecer, e isso que importa, não as badaladas do sino. Kairós é o tempo espiritual que não se subjuga ao rigor da cronologia que nos faz escravos num ritmo cada vez mais frenético.
O único ritmo que verdadeiramente importa é o do coração, a determinar nosso momento aqui. O mesmo coração que pulsa mais forte ou não com as emoções que nos brindam no pulsar de Kairós, o tempo espiritual, alheio ao caminhar dos dias.
É soberba achar que o mundo é este momento que vivemos. A vida é apenas uma experiência individual na poeira de um universo muito maior. Por isso tento não ser tão factual, iludido de que este momento é único. Talvez nem o seja para mim e voltarei em outro momento como aqui talvez já tenha estado com outro RG e DNA.
A ciência comprova que o que chamamos de mundo, o planeta Terra, é incomensuravelmente mais velho e perdido num universo infinito. Cientistas chineses acabam de precisar quando houve a última extinção em massa da vida terrestre, e não foi por alguma guerra ou por termos queimado tanto petróleo. Foi há 252 milhões de anos, quando se deu o fim do período permiano, iniciando a era dos dinossauros!
Curioso notar que a extinção das espécies – marinhas e terrestres – deu-se isoladamente, em parcelas, com maior rigor no Hemisfério Norte, devido a mudanças climáticas, notadamente causadas pela erupção de vulcões.
Os anos que vivi, e os que ainda espero viver, são importantes apenas para o meu sentimento desta vida que encarnei, não para a história da humanidade que está a viver simplesmente uma fagulha no tempo cósmico. O que não nos isenta da responsabilidade de preservar o que encontramos neste planeta quando rompemos o ventre.
Assim como nosso tempo é quase uma ilusão, o espaço não fica para trás. Mercator, geógrafo que deu impulso à cartografia no século XVI, nos enganou. Terraplanistas, não se empolguem, o planeta é redondo mesmo! Mas os continentes e os países não têm a dimensão que Mercator desenhou no globo que ainda hoje fazem girar nossos sonhos.
Mercator deu dimensão maior ao Hemisfério Norte e há quem diga que quis bajular a Europa que vivia o apogeu das descobertas. Na verdade o Brasil é quatro vezes maior que a Groenlândia, e a África, então, trinta vezes maior. A Europa, assim como a América do Norte, só é grande nas minhas fantasias e nos rabiscos de Mercator, que até hoje giram nas salas de aula.
A rigor, tempo e espaço são tênues referências a nortearem nossos dias. De certa maneira, puras ilusões. O que vemos não é necessariamente o que é na realidade. Cito como exemplo a reconstrução do Parthenon, obra prima grega que perpetua as lições da geometria. A propósito, lembro que o segredo da harmonia para os gregos é a haste do pentágono, que pode ser encontrada na medição de todo corpo humano.
Tão sábios eles eram que, um belo dia um magnata norte-americano quis reproduzir o Parthenon em Nashville e não mediu recursos. Erguida a acrópole, viu-se que havia uma leve inclinação das clássicas colunas. Refeitos os cálculos, os arquitetos entenderam que, devido ao aclive do terreno grego, os artífices de Atenas trataram de erguer colunas ligeiramente pendidas numa ilusão de ótica local.
De fato vivemos uma ilusão, e nos perdemos nela ao conduzir nossos dias. Tempo e espaço são relativos, a ilusão não é só ótica, mas também de sentimento como levamos a vida temporalmente no quarteirão em que vivo. Saint’Exupèry lembrou que o importante não é visível aos olhos.
Que o relógio continue orientando nossa rotina, mas não esqueçamos de Kairós. Afinal, o tempo que importa está acima de um simples e extenuante tic-tac.