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Luiz Dias Guimarães

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Águas da insensatez

A pior tragédia é sua própria banalização. O carnaval passou, dezenas de vidas foram barranco abaixo na costa de São Paulo e já nem lembramos mais que há poucos dias a Terra gemeu, rasgou e ceifou mais de quarenta mil vidas na Turquia e na Síria.

Semanalmente as águas assombram algum lugar do planeta. Em outros cantos se escondem. Veneza dos nossos sonhos românticos, pradarias dos nossos pampas gaúchos clamam por elas. As águas escolhem onde querem derramar a morte ou a alegria. Mas o importante são os feriados de março, que ainda nem chegou e, se tradicionalmente traz muita água, certamente virá com muito mais.

A humanidade passa por uma provação que, religiosidade à parte, expõe a bestial insensatez humana que se expressa em muitos ambientes familiares, em muitos palácios, nas encostas e ruas do mundo.

O que aprendemos depois de tanto tempo? Nem o ChatGPT sabe responder. Somos cada vez mais vítimas e réus do jeito em que vivemos. Com tanta informação, lutamos com fake news na ponta da língua e dos dedos para destruir nossos irmãos. Mas a natureza não tem partido.

A tecnologia já criou ferramentas que dão previsibilidade para muita coisa, como a crise do tempo. Para a insensatez não, que não permite que enxerguemos o apartheid que fazemos ao escolher as melhores vistas para nosso deleite e as piores para aqueles que nos servem na construção do verão.

Governantes cegos ou matreiros e empresários gananciosos à parte, e cada um de nós também, são as águas que surgem como alertas da natureza aos borbulhões para levar casas, estradas e vidas. Mas não lavam nossa hipócrita consciência do que estamos fazendo com o planeta em que, ao menos por enquanto, geramos nossos filhos.

Já há muito o clima vem avisando. As geleiras estão derretendo, o mar está subindo, o vento está furioso. O desequilíbrio que provocamos é imenso. 

Pouco podemos fazer isoladamente contra a fúria do tempo. Mas muito devemos fazer na definição do espaço em que podemos construir a semente de novas gerações.

O importante, porém, é o novo modelo da SUV com a qual sonhamos tanto, não importando quanto de CO2 ela emite. É certo que corremos contra o tempo, temos poucas décadas para baixar 1,5 grau na atmosfera. E na medida em que corremos, se é que ainda é possível, vamos contabilizando quanto cada setor emite de dióxido de carbono na atmosfera.

A indústria automotiva, a indústria naval e tantas outras experimentam alternativas de energia renovável. Só a aviação, no período pré-pandemia, gerou 1 bilhão de toneladas métricas de CO2, mais do que a América do Sul produziu em 2021. Significa dizer que voamos para realizar sonhos que um dia vão acabar vítimas deles próprios no ar. 

Carros, ônibus, caminhões e navios limpos já têm alternativas para se livrarem da culpa. Mas os aviões ainda engatinham no ar. Recentemente o setor se comprometeu em conferência de organismo da ONU com a meta de substituir o combustível por energia renovável. Fala-se até em transformar o próprio ar em propulsão, mas ainda é tudo muito incipiente.

E muito há, ainda, por descobrir. Pois não é que suspeitam que o rastro branco do avião é mais bandido que o CO2? Desse jeito não acabam só com a emissão. Acabam com a magia daqueles riscos que vemos no azul como rabos da estrela-guia a nos inspirar para a vida ao olhar pro céu.

Não se pode garantir que haverá tempo de salvar o planeta. Os movimentos da economia e dos governos parecem esquecer que o aquecimento global carece de soluções imediatas. Há em nossas mentes um buraco maior que o da camada de ozônio. É o buraco na sensatez humana.

Vai-se mudando a matriz energética, mas não se mudam as cabeças e os corações. Sujos que nem as águas de março conseguem lavar. E lavam e levam a destruição da nossa esperança. Esse é o sentido da tragédia, banalizada de tão comum e presente mundo afora antes e depois do próximo carnaval.

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