As rodovias e o alerta da COP 30
José Ronaldo Marques da Silva, o Boizinho
Presidente do Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg)
O mundo viu, em parte descontente, o encerramento da COP-29, a conferência das Nações Unidas para o clima que terminou em Baku, no Azerbaijão. Prévia do que será discutido aqui no Brasil na COP-30, em novembro de 2025, o encontro se encerrou com um acordo que estipula investimentos de R$ 1,7 trilhão para prevenção e contenção de desastres climáticos, muito menos que os R$ 7,5 trilhões pedidos pelos países em desenvolvimento.
Baku fica a 13 mil quilômetros de São Paulo e alguém pode se perguntar por que um sindicato que representa cegonheiros está preocupado com um evento na Ásia. Porque a realidade do clima – principalmente a perspectiva de um não retorno no aquecimento global — tem criado problemas muito próximos e danosos aos brasileiros com eventos climáticos recentes, inclusive no que diz respeito ao transporte. E às estradas.
O que vimos no Rio Grande do Sul no início do ano, com mais de 180 mortes e 2,3 milhões de gaúchos afetados, é um indicativo gravíssimo. Os abusos ambientais e as consequências cobradas destroem vidas, estradas e, obviamente, a economia.
Estivemos por vários dias com os irmãos gaúchos em ações de solidariedade que somaram mais de 1 mil toneladas de roupas e alimentos. O que sentimos e vimos foi triste. Amargo. Até porque temos companheiros cegonheiros que sofreram na pele as consequências da maior tragédia ambiental brasileira.
Os efeitos dos eventos extremos não são isolados, infelizmente. Pegue-se a BR-101. Um dos mais belos e importantes corredores brasileiros de tráfego, com 4.389 quilômetros de extensão, perfilando 11 estados, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte.
No Rio Grande do Sul, sofreu impactos das enchentes, mas a conta do clima não atingiu a 101 só naquela região. No trecho conhecido como Rio-Santos, a rodovia tem sido palco de problemas decorrentes de eventos climáticos extremos e ocupações de áreas de risco, instaladas em flagrante desrespeito às normas ambientais.
Um levantamento realizado pela Folha de S. Paulo aponta que mais de R$305 milhões foram gastos para reparar danos de chuvas intensas. Os valores foram aplicados em reparos decorrentes de 405 deslizamentos e sinistros registrados desde 2022, dos quais o último aconteceu em 20 de outubro, quando a rodovia foi interditada num trecho de 27 quilômetros na região de Mangaratiba (RJ).
Os efeitos das mudanças climáticas – os temporais que deixaram São Paulo sem energia em outubro são outro efeito da mesma causa – custam caro às cadeias produtivas que, como os cegonheiros, dependem das estradas para escoar o que produzem e vendem.
Note-se o dado alarmante da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Um estudo da entidade mostra que, somente com a tragédia gaúcha de maio, serão necessários R$ 27 bilhões para que o sistema rodoviário brasileiro volte a operar como antes. Não é pouca coisa.
Infelizmente, as atenções voltadas às questões climáticas entraram no clima de certa polarização. Tema que deveria unir toda a sociedade, a sustentabilidade acabou sendo alvo de críticas as agendas à esquerda e à direita. No caso do setor de transporte, temos trabalhado sempre para incentivar o uso de combustíveis sustentáveis, mas isso precisa ser ampliado para todos os segmentos, em todos os países, principalmente os mais ricos.
Felizmente, o Brasil desempenhou um papel de relevo em Kabu ao anunciar a Nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que visa reduzir as emissões líquidas de gases de efeito estufa de 59% a 67% até 2035, em comparação ao quadro que tínhamos em 2005. É meta ambiciosa, mas o mundo precisa de mais.
A COP-30, nesse sentido, será uma grande oportunidade — talvez a última, antes de um ponto de não-retorno — de o Brasil e os demais países-membros da ONU chegarem a um consenso prático eficaz sobre o que se pode, ainda, fazer para que os eventos climáticos extremos sejam, se não contidos, minimizados.
São sombrios, os cenários que se avizinham para as próximas gerações. Mas a esperança de que os setores econômicos e governamentais do Brasil, em agenda unificada, possam fazer algo de diferente na COP de 2025 é uma luz que não pode esmorecer.