As síndromes que afligem meu tempo
Eu estava no costado do Enrico C, debaixo de um orelhão, e não me dava conta de que estava doente naquele carnaval de Salvador dos anos 70. A cantoria de Momo soava cais afora e eu só tinha cabeça para falar com minha mãe, saber como estavam todos.
Estava doente sim, e não sabia. Deve haver um nome para quem vive essa síndrome da incomunicação, aquele desespero de me conectar com meu mundo à distância. Sorte que já havia um orelhão à beira de um cruzeiro atracado para diversão em que, por momentos, não me via incluído.
Meu mal era esse, o excesso de preocupação, a necessidade constante de estar ligado com meu universo. Poucas vezes na vida consegui me desligar por algumas horas, poucos dias. E confesso que me sentia arrebatado de uma felicidade infinita diante da abstinência do contato.
Mas só consegui alforria mesmo quando surgiu o celular e eu pude comprar aquele tijolão. Disse para mim mesmo: agora posso ser feliz sempre, baixar a guarda! Se algo acontecer, se alguém precisar de mim, é só me telefonar, esteja onde estiver meu desejo.
De lá para cá muita coisa mudou. As doenças também. Durou pouco para me dar conta de que a presença pode ser igual ou pior que a ausência, e já explico por quê.
Antes, porém, reflito sobre o fato de dizermos que o tempo está passando cada vez mais rápido. Em outros séculos levavam-se dias, meses, anos até para receber as notícias. E certamente ninguém falava esse chavão de que a vida voa cada vez mais. Eram nossos ancestrais os senhores do tempo, com ele não se importavam, a não ser para regular a colheita. Sim, as safras agrícolas é que fixaram na Mesopotâmia do século III antes de Cristo, o conceito do calendário com doze meses lunares, que valem até hoje para as estações, para os grãos e para a vida. Uma marcação que vivemos sem lembrar que a Terra existe há cinco bilhões de anos.
A Lua, senhora do tempo, tratava de apaziguar o espírito. Creio que não havia essa ansiedade que me torturou um dia na beira do cais, pois tudo acontecia no seu momento. O fim do ciclo anual serve para darmos trégua à loucura dos nossos dias e renovar a esperança. Como os tótens de quilometragem dispostos na pista do iron man.
Mas dizia eu que minha satisfação com o noviço celular durou pouco. Da sensação de estar acessível a qualquer momento tornei-me escravo compulsivo desse aparelho, especialmente quando surgiram os smartphones.
Há hoje preocupante pandemia de síndromes! Não bastasse a de Burnout, distúrbio emocional de exaustão extrema por excesso de trabalho, vivemos a Síndrome da Fadiga Crônica nesta sociedade do cansaço. Situação que se agrava com a atividade física ou mental e que não melhora com o repouso.
Agora, dependente confesso, sou torturado pelos constantes toques do aparelhinho sem o qual não vivo. Não adianta silenciar o whatsapp, há sempre um sms ou notificação a bagunçar meu ritmo cardíaco. Sem falar da Síndrome do Pensamento Acelerado, nem da Síndrome do Toque Fantasma, a sensação de achar que há uma nova mensagem sem que esta exista.
O que veio para me ligar ao mundo tornou-se minha íntima e intensa companhia. Pois é, a oferta da informação acabou com meu sossego e às vezes penso que busco a imortalidade consultando o dr. Google. É o que já chamam de Cibercondria, a hipocondria digital, a busca incessante por diagnósticos na internet diante de qualquer sintoma.
Os especialistas já classificam uma nova CID 10: a Nomofobia, transtorno fóbico-ansioso. Somos viciados na conectividade global que, além de não aplacar minha ansiedade, me transforma num ser apressado e aflito, como se estivesse pronto para receber trágica notícia ou, no mínimo, superar mais um marco da prova de iron man. Mal sei que o marco final surgirá um dia, sem despertar a campainha do celular.
Às vezes tenho saudade daquele carnaval na beira do cais, onde havia um desajeitado orelhão. Era quando a ausência não despertava tantas síndromes da presença de algo que nos trouxe muitos ganhos, mas que, sem ainda saber lidar com ele, se transformou em inquietante fantasma.