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Adilson Luiz Gonçalves

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Calado, já está errado!

Essa frase já foi usada inúmeras vezes e com múltiplas intenções.

Pode ser referenciada a pessoas que só falam bobagem, de fato; ou como uma reação de fanáticos a opiniões contrárias, com risco de, dependendo do radicalismo, descambar em ofensas e agressões, sobretudo quando em turbas, dessas que, quando perdem a razão ou argumentos plausíveis, apelam para “palavras de ordem”, para calar até quem está certo.

Porém, não é esse tipo de calado errado que será abordado neste texto. Refiro-me ao calado do Porto de Santos, o que é extensivo a outros complexos portuários públicos brasileiros, e a alguns terminais de Uso Privado (TUPs).

As críticas aos calados operacionais dos complexos portuários nacionais são cada vez mais intensas, frequentes e, até, dramáticas, tema recorrente em vários eventos especializados. Armadores e agências argumentam que o Brasil corre o risco de ficar fora das linhas de longo curso, que utilizam navios cada vez maiores. E mesmo no caso de portos homologados para receberem navios de 366 m de LOA, argumentam que, ademais de restrições de acesso em função de marés, eles não operam com plena capacidade.

A dragagem é a solução para assegurar competitividade aos portos brasileiros! Sem ela, os riscos são imensos, impactando diretamente nossa balança comercial, empregos e tributos, sem os quais os governos não disporão de recursos financeiros para outros investimentos de interesse público, como educação, habitação, saúde e segurança.

Essa é a verdade que não quer calar! 

Mas é preciso explicar isso a alguns “russos”, principalmente aqueles responsáveis por licenciamentos ambientais e judicializações. É certo que alguns deles têm boas intenções, mas falta um pouco de visão holística, e a legislação brasileira favorece interdições e protelações, sem que os autores sejam responsabilizados por suas consequências.

Irregularidades em alguns processos licitatórios em portos públicos podem ocorrer, até por exigir termos de referência de alta complexidade. Porém, a interrupção de operação de um berço de atracação por falta de dragagem tem efeitos negativos significativos para as operações portuárias.

Seria possível adotar outros meios de esclarecimento e correção, inclusive punição, que não prejudiquem a continuidade dos serviços e, por consequência, a economia do País?

No caso específico do Porto de Santos, a profundidade natural do Canal do Estuário era de -6 m a -9 m, dependendo da fonte e do trecho.

A evolução das dimensões das embarcações, principalmente após o início das operações do Porto Organizado de Santos, levou à construção de berços de atracação adequados e a dragagens de aprofundamento, seguidas de manutenção.

Aqui vale um esclarecimento, visto que ainda há alguma confusão sobre a correta utilização de palavras: profundidade se refere ao canal de navegação, enquanto calado tem a ver com a embarcação, sendo a “distância vertical entre a parte inferior da quilha e a linha de flutuação”. A diferença entre a profundidade e o calado é conhecida como “pé-de-piloto” ou folga abaixo da quilha (“under keel clearance” – UKC), normalmente correspondente a um décimo da profundidade do canal, se bem que o “calado dinâmico” permite valores ainda menores, isso sem falar em “lama fluída”.

Como o Canal do Estuário é naturalmente assoreável, por conta dos cursos d’água afluentes, quanto maior o aprofundamento, maior a necessidade de dragagem de manutenção, o que implica em maiores volumes e, consequentemente, custos.

O Canal do Estuário do Porto de Santos é dividido em quatro trechos, sendo que o calado máximo varia de -12,70 m a -14,50 m. 

Para se ter uma ideia das limitações que essa condição implica, tomemos como exemplo o MSC Natasha XIII, que veio ao Porto de Santos este ano. Trata-se de um navio porta-contêineres com 366 m de LOA, 48 m de boca e 15,9 m de calado máximo, com capacidade para transportar 13.092 TEUs.

Considerando o calado operacional atual do Porto de Santos, um navio desse porte não poderia entrar ou sair com carga plena.

Algumas fontes mencionam que cada metro de calado corresponde a aproximadamente 700 contêineres.

Mesmo que sejam atingidos os -17 m de profundidade ao longo de todos os trechos do Canal do Estuário, o que representaria um calado operacional de 15,3 m, navios como esse operariam abaixo de sua capacidade máxima, se bem que isso seria possível, considerando a competência dos práticos locais e da Capitania dos Portos. Ainda assim, as manobras em alguns trechos são complexas, exigindo apoio de rebocadores.

Agora, quando se fala em embarcações com 400 m de LOA, tomemos por referência o CSL Globe, que tem boca de 60 m e calado máximo de 16 m.

Com uma profundidade de -17 m, seu acesso ao Porto de Santos não seria muito diferente de embarcações de 366 m: o problema maior seria a manobrabilidade, ainda mais complexa e custosa.

-17 m… Acompanho esse tema desde 1999, quando tive conhecimento do estudo elaborado pela empresa Figueiredo Ferraz, para a então Codesp, sobre um túnel ligando Santos a Guarujá, aproximadamente na mesma localização proposta atualmente. Ao que consta, já era previsto o aprofundamento do Canal do Estuário para -17 m.

Estudos posteriores (DERSA e APS) definiram que a geratriz superior do túnel ficaria na cota -21 m, considerando a mesma cota de profundidade do canal.

Essa cota foi objeto do Projeto Santos 17, que reuniu empresários, capitaneados pelo saudoso Antonio Passaro e pelo sempre atuante Roberto Teller, em busca de uma parceria com o Governo Federal para viabilizar o aprofundamento do Canal do Porto de Santos. Infelizmente, essa iniciativa não teve sucesso, mas o assunto nunca saiu de pauta.

No entanto, uma coisa ficou clara e evidente: o calado atual está errado! Melhor dizendo, não atende às projeções de expansão das atividades portuárias de Santos e de outros complexos nacionais.

Em 2017, a Autoridade Portuária de Santos contratou a USP e fundações a ela associadas, para elaborar um estudo sobre o tema. Em 2018, esse contrato resultou na apresentação do Estudo e Pesquisa de Obras para a Otimização Morfológica, Náutica e Logística do Canal de Acesso do Porto de Santos. Ele confirmou que a máxima profundidade economicamente viável do canal seria de -17 m.

Hans Landa, do filme “Bastardos Inglórios” (EUA, 2019), magnificamente interpretado por Christoph Waltz, talvez dissesse: “Isso é um bingo!”. Mas o ideal seria, considerando o CSL Globe como referência, -17,6 m ou, arredondando, -18 m.

Seria economicamente viável? Bem, para responder, será necessário refazer os estudos da USP, considerando o que se deixaria de operar e arrecadar com a profundidade limitada a -17 m.

E o túnel? Vale a mesma revisão, que pode considerar a execução de uma laje de transição sobre ele, ou outra solução de Engenharia que assegure a integridade da obra.

Tudo é possível em Engenharia! O problema é quanto custa e no que isso pode interferir no tráfego marítimo, durante sua execução.

A Lei nº 12.815/2013, ora em revisão, ao permitir que TUPs operassem carga de terceiros, sem considerar critérios geográficos, colocou os portos públicos em desvantagem, por conta da burocracia estatal e do risco de ingerências político-partidárias na indicação de gestores.

Posteriormente, mecanismos foram criados para contornar o segundo problema. No entanto, mesmo com alguns ajustes, a burocracia continuou a prejudicar contratações, inclusive de serviços de dragagem.

Na época, alguns empresários chegaram a afirmar que o Porto de Santos seria seriamente impactado num prazo de 5 anos!

Felizmente, nosso complexo portuário vem dando seguidas provas de resiliência e capacidade de superação, registrando seguidos recordes. Mas não é possível ou admissível adiar ainda mais o que já está atrasado.

Para tentar viabilizar a dragagem de aprofundamento para -17 m, o Governo Federal da gestão anterior propôs a desestatização de algumas autoridades portuárias, inclusive a de Santos. Localmente, seria um dos compromissos de investimento do futuro concessionário. Antes disso, já havia quem postulasse a gestão condominial para algumas das atribuições da Autoridade Portuária, incluindo a dragagem. Não houve unanimidade em relação a essa proposta.

O Governo Federal atual descartou a desestatização de portos públicos.

Em 2023, a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA (portos delegados pelo Poder Concedente ao Governo do Estado do Paraná) teve a iniciativa de licitar a concessão do canal de acesso. A concessão – proposta inédita no Brasil – abrangerá a ampliação, manutenção e exploração do canal de acesso aquaviário pelo prazo de 25 anos.

Desde então, esse processo vem sendo monitorado pelo Ministério de Portos e Aeroportos, podendo se tornar uma referência, caso bem-sucedido.

Pela recente delegação de competência, a Autoridade Portuária de Santos tem interesse direto, pois a concorrência está aí, firme, forte e menos presa aos rigores impostos aos portos públicos.

O TUP de Itapoá (SC) tem profundidade natural de -16 m; o TUP Portonave (SC) tenciona aprofundar canal de acesso do Itajaí para -17 m; o TUP Porto Central (ES) tem previsão de até -25 m; e o TUP Superporto Barra Sul (SC) projeta -18 m, apenas para mencionar alguns. Eles têm em comum a proximidade com o Porto de Santos e a operação de contêineres.

No Brasil, tudo é complicado, demorado e sujeito a chuvas e trovoadas, que não apenas as decorrentes de fatores climáticos.

Pode ser que alguém diga que basta esperar as previsões decorrentes das mudanças climáticas, no caso, a elevação do nível do mar, para aumentar o calado operacional do Porto de Santos. Afinal, 2100 é logo ali…

Nazareno, personagem criado por Chico Anysio, diria: “Caalaado!”.

Ironias à parte, é importante salientar que não basta aprofundar o canal, pois serão necessárias obras de reforço de cais, de maneira que os berços de atracação estejam aptos a receber as futuras embarcações-tipo de grande porte.

Tampouco está descartada a futura implantação de um complexo portuário mar adentro, em águas profundas. Existem estudos conceituais sobre o assunto, sendo que já orientei um Trabalho de Conclusão de Curso de Engenharia Civil nesse âmbito.

Isso não seria um problema, como não é na Holanda, em Singapura, na China e em outros países que consideram o sistema portuário e seus acessos uma questão estratégica. Por aqui, com certeza será mais uma “via crucis”.

Não cabe usar a expressão “água mole em pedra dura…”. Alguém pode associar a ressacas… Mas a insistência e o clamor dos que defendem o desenvolvimento sustentado do Brasil em algum momento deve prevalecer, superando os entraves atuais. Sobre isso, ninguém pode nem deve ficar calado!

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