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Adilson Luiz Gonçalves

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Chover no molhado

Dizer que o sistema portuário nacional é responsável por cerca de 95% da corrente comercial do Brasil, com o Porto de Santos respondendo por algo em torno de 30% é “chover no molhado”, como diz a expressão popular.

O problema é que, no caso das operações portuárias, que tem no agronegócio seu “carro-chefe”, o problema não é “chover no molhado”, ocasião em que as atividades já foram interrompidas: é chover durante as operações.

O Porto de Santos, por sua localização geográfica, é particularmente sensível a alterações do clima, o que prejudica a carga e descarga da maioria dos granéis nele manipulados.

Segundo o sítio Weather Spark, em Santos chove cerca de 150 dias por ano!

Mesmo que não chova o dia inteiro, e com o porto operando 24 horas, a presença de nebulosidade e informações meteorológicas tornam a operação de granéis temerária. Isso também inclui a questão dos ventos.

Segundo o Relatório Final do estudo Impactos e Riscos da Mudança do Clima nos Portos Públicos Costeiros Brasileiros, de 2021, a velocidade de vento considerada crítica para equipamentos de movimentação e cargas é de 30 km/h. Esse mesmo relatório aponta que no Porto de Paranaguá, essa velocidade crítica é de 90 km/h!

Segundo uma das fontes utilizadas no PAM do Porto de Paranaguá, a operação de contêineres deve ser suspensa, com evacuação de operadores do cais, para ventos entre 55 e 65 km/h. Ventos de 90 km/h, nesse caso, são considerados como caóticos!

Porém, esses dados não discriminam o tipo de equipamento de içamento, que podem ter limites críticos de vento diferenciados. Também não foram encontrados dados sobre vento crítico para operações de carga e descarga de granéis sólidos. Em pesquisa anterior, encontrei valores da ordem de 25 km/h.

Estamos falando de operações de carga e descarga, mas chuva, vento e ressacas, além de potencializarem interrupção de atividades, tende a prejudicar o próprio acesso aos terminais portuários.

No entanto, mesmo com chuva e ventos abaixo do que for definido como limite crítico, a operação de contêineres pode ser mantida, o que não ocorre com a operação de granéis sólidos.

Em tese, contêineres normalmente contém cargas de maior valor agregado. No caso do Porto de Santos, não consta haver problemas de ocupação de berço, por conta de condições operacionais ou climáticas.

Caso os prognósticos sobre os efeitos de eventos climáticos extremos se confirmem, a tendência é que o aumento de sua frequência, duração e intensidade prejudique ainda mais a operação cargas a granel do agronegócio.

Nesse caso, e dependendo do futuro cenário em portos concorrentes, sobretudo os do Arco Norte, é possível que as exportações tenham outro destino, que não os portos de Santos, Paranaguá e Antonina.

No caso de Santos, a potencial influência dos eventos climáticos extremos nas operações portuárias tende a ser mais significativa a médio prazo. Por isso, é importante buscar soluções alternativas de cargas, cuja operação seja menos suscetível a esses efeitos.

Quando da elaboração deste texto, ainda não havia totalização da movimentação do Porto de Santos em 2023. A estimativa era de 167 milhões de t.

A taxa de ocupação de berços influencia nas operações, além de outros fatores técnicos, mas é possível considerar que, se não tivéssemos tantos períodos chuvosos, ressacas e congestionamentos nas rodovias que dão acesso ao complexo portuário, além de eventuais movimentos grevistas, essa movimentação, sobretudo no caso de granéis sólidos, teria sido bem maior.

Mas o critério de movimentação por tonelada não deve ser o único a ser considerado. O valor da tonelada operada é tão ou mais importante em múltiplos aspectos, operacionais, econômicos e tributários.

Desta forma, é fundamental que seja incluído no Plano Mestre e no PDZ do Porto de Santos estudos relativos à atração de cargas de maior valor agregado e menor custo logístico e impacto ambiental.

Isso pressupõe produção próxima às instalações portuárias, o que ocorre nos principais portos do mundo, que dispõem de condomínios logístico-industriais e Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em sua proximidade.

No Brasil, temos o regime de Zona de Processamento de Exportação (ZPE), e a cidade de Santos está apta a sediar uma, com base na legislação em vigor, e está fazendo sua “lição de casa”.

A associação entre produção industrial, desenvolvimento tecnológico, pesquisa científica, proximidade do complexo portuário, dragagem de aprofundamento, ocupação racional e otimizada de espaços disponíveis e o entendimento de que o conceito moderno de sustentabilidade pressupõe o equilíbrio entre aspectos ambientais, sociais e econômicos, livre de radicalismos; tende a gerar nova economia, novos tributos, em todos os níveis, e, principalmente, novos empregos, potencializando a melhoria da qualidade de vida na região.

Depois, mais adiante, poderemos pensar em um porto mar adentro (“offshore”), para receber navios ainda maiores. Rotterdam pode, portos chineses puderam e são apenas alguns exemplos.

Mas também é preciso reduzir a burocracia estatal, agilizar licenciamentos ambientais e até revisar a legislação existente, para que efetivamente sejam evitadas as nefastas práticas de interpretações e ativismos ideológicos, que só favorecem interesses externos de quem não faz o que prega e financia, para efetivamente alcançarmos o tão almejado desenvolvimento sustentado do Brasil.

Caso contrário, continuaremos a “chover no molhado”, “enxugar gelo” e “ensacar fumaça”, recebendo ou pleiteando recursos para permanecermos subdesenvolvidos, subservientes a interesses externos, numa globalização que só beneficia quem a defende.

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