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Flávia Fardim

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Desafios e soluções na análise jurídica de processos marítimos e portuários: rumo à especialização e uniformidade decisória

A análise de processos com matéria relativa a Direito Marítimo e Portuário exige aplicação de conhecimentos específicos do setor. Justamente em função da necessidade de especialização e aprofundamento no tema, é comum observar entendimentos jurisprudenciais que não aplicam idoneamente os preceitos desses ramos jurídicos. Isso pode gerar certa ineficiência das decisões e do tratamento adequado dos processos relativos aos setores marítimo e portuário, gerando até mesmo insegurança jurídica. 

Frente a este problema, foi criada a Vara da Fazenda Pública e Marítima de Ipojuca, cidade em que se localiza o Porto de Suape, em Pernambuco (1) . Situação semelhante ocorreu no Rio de Janeiro, que em todo o estado determinou que os processos relativos a Direito Marítimo fossem julgados pela vara especializada em Direito Empresarial (2) . A expectativa é que, a partir desses mecanismos de atribuição de competências, a análise processual poderá ser realizada com atenção à complexidade e à especificidade do Direito Marítimo e Portuário. 

É importante ressaltar, entretanto, que a criação de uma única vara específica para Marítimo e Portuário, como no caso de Pernambuco, pode condicionar o entendimento jurídico sobre todos os processos da região ao ponto de vista de apenas um magistrado. E essa questão merece especial atenção, porque se de um lado há aqueles que pensam que isso é positivo pela possibilidade de uniformização de decisões, de outro lado, há os que acreditam que isso é negativo porque dificulta o amplo debate sobre lides semelhantes, porém com peculiaridades que não podem ser consideradas adequadamente. 

Já no caso do Rio de Janeiro, por exemplo, diferentes decisões podem advir de diferentes varas especializadas em Direito Empresarial. Isso suprime a limitação ao entendimento de apenas um juiz e, ao mesmo tempo, mantém o grau de compreensão sobre a matéria marítima. Assim, concilia-se o grau de especificidade no julgamento das varas de Direito Empresarial com a diversidade de entendimentos, posto que não há apenas uma única vara especializada. 

O debate sobre a competência em matéria marítima e portuária advém do século XIV, quando na Inglaterra foram criadas cortes especializadas sobre o tema (3). Até os dias atuais, esse debate tem se mantido em evidência, como se percebe na recente decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do Processo nº 2022/00132753, que submeteu, ao parecer da Corregedoria Geral de Justiça do Estado, a proposta de criação do “Núcleo para Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro” (4). 

O estabelecimento desse núcleo tem sua origem no artigo 1º da Resolução CNJ nº 385, datada de 06/04/2021, que concede autorização aos tribunais para criar “núcleos de Justiça 4.0” especializados em uma determinada área, com competência abrangendo toda a região territorial sob a jurisdição do tribunal. Os principais objetivos da criação do núcleo para Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro no Estado de São Paulo envolvem a busca por previsibilidade, eficiência, qualidade e uniformidade nas decisões que envolvem os portos do estado, dentre eles o maior porto do Brasil, localizado em Santos. 

No estado do Espírito Santo, os processos em matéria marítima e portuária estão distribuídos entre varas cíveis, varas da fazenda pública e varas únicas em cidades interioranas. Apesar da relevância dos portos capixabas – como o Porto de Vitória, que movimenta o mercado local, nacional e internacional com o transporte de cargas como minérios, granéis sólidos, fertilizantes e cargas em contêineres; e o Porto de Barra do Riacho, que tem ganhado relevância no setor de petróleo e gás –, as decisões que envolvem o tratamento de conteúdo relacionado a Direito Marítimo e Portuário ficam dispersas, variando conforme o entendimento do juiz encarregado, que muitas vezes pode não possuir o necessário conhecimento aprofundado sobre as complexidades e especificidades do ramo de portos. 

Em suma, a especialização e a criação de varas ou núcleos especializados em Direito Marítimo e Portuário são medidas importantes para lidar com a complexidade e a especificidade desse ramo jurídico. Essas iniciativas visam a promover previsibilidade, eficiência, qualidade e uniformidade nas decisões relacionadas aos portos, garantindo um tratamento adequado aos processos e evitando a insegurança jurídica. 

No entanto, é necessário encontrar um equilíbrio entre a especialização e a diversidade de entendimentos especializados. A concentração de todos os processos em uma única vara especializada pode limitar o debate e o amplo entendimento das questões, enquanto a distribuição em diferentes varas especializadas permite a diversidade de perspectivas. Cada abordagem tem suas vantagens e desafios e é fundamental avaliar qual é a mais adequada para cada contexto jurídico. 

Em qualquer localidade, faz-se necessário ponderar cuidadosamente a criação de varas especializadas ou núcleos de justiça voltados para o Direito Marítimo e Portuário, com averiguação de medidas benéficas para promover a eficiência e a qualidade das decisões judiciais nessa área.

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Notas

(1) A Vara da Fazenda Pública e Marítima de Ipojuca/PE foi criada pela Lei Complementar nº 71/2005, que alterou a Organização Judiciária do Estado de Pernambuco. Disponível em: Acesso em: 19 maio 2023. 

(2) ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei nº 6956, de 19 de maio de 2023. Dispõe sobre a organização e divisão judiciárias do Estado do rio de Janeiro e dá outras providências. [S. l.], 2015.
(3) Conselho Nacional de Justiça, Justiça Pesquisa – Formas Alternativas de Gestão Processual: A Especialização das Varas e a Unificação de Serventias, 2020, p. 18.
(4) RICARDO MAIR ANAFE. 02 de maio de 2023. Processo nº 2022/00132753, São Paulo, 2 maio 2023.

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