Descarbonização de verdade
Descarbonização, palavrinha que está em alta não é verdade? Esse conceito ganhou muita relevância, principalmente após o acordo de Paris, um tratado assinado em 2015, durante a COP21. Esse tratado foi considerado um marco global na luta contra as mudanças climáticas e teve como principal objetivo limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C. Felizmente, não precisamos gastar mais uma palavra para convencer as pessoas e as organizações que existe uma emergência climática. A fase de negação já passou. Precisamos discutir as soluções e incentivos para a descarbonização.
Vocês já me conhecem, sou apaixonado pelo setor portuário, gosto bastante de escrever sobre esse setor e seus temas associados como inovação, governança e sustentabilidade. Vamos aqui falar um pouco sobre descarbonização no setor portuário e de transporte marítimo.
O conceito de descarbonização aplicado ao ecossistema portuário está relacionado a um conjunto de estratégias que visam reduzir ou eliminar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) das operações portuárias considerando todo o ecossistema envolvido, ou seja, importações, exportações, logística terrestre e marítima e as indústrias associadas.
Esse conjunto de estratégias inclui a modernização dos portos, a eletrificação de equipamentos, o uso de combustíveis alternativos e renováveis, a implementação de tecnologias avançadas, como captura e armazenamento de carbono, e o envolvimento das cadeias de valor para promover soluções sustentáveis e integradas.
Por que o ecossistema portuário deve se preocupar e contribuir para a descarbonização? Já que o transporte marítimo, responsável por aproximadamente 80% do comércio global, contribui com apenas 3% das emissões globais de gases de efeito estufa. Existem inúmeros motivos, posso citar a decisão da IMO – Organização Marítima Internacional – de estabelecer metas de redução das emissões relativas ao ano de 2008, de 30% até 2030, 80% até 2040 e neutralidade até 2050.
Fábio Barbosa, CEO da Natura e um dos precursores da Sustentabilidade no Brasil, gosta de dizer que as organizações vão aderir à sustentabilidade pelo amor ou pelo dor, ou seja, por convicção ou por obrigações do mercado e eventuais punições.
Agora, vamos aos dados e pesquisas relacionadas à descarbonização no ecossistema portuário. Um importante trabalho chamado Acelerando a Descarbonização Portuária e Marítima foi produzido pelo Pacto Global, Rede Brasil, Grupo de Trabalho de Negócios Oceânicos, elencou os principais desafios para promover a descarbonização. Eles são a promoção da eficiência energética e operacional; da eletrificação dos equipamentos portuários e a utilização de combustíveis alternativos.
Outro estudo complementar, divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética com dados da DNV, aponta soluções específicas para a descarbonização do transporte marítimo: utilização de rotas alternativas; revisão do tamanho das embarcações; novas tecnologias de revestimento dos cascos; otimização dos cascos; lubrificação por ar; melhorias na eficiência do maquinário; recuperação do calor; hibridização da bateria; utilização de células de combustível; captura e armazenamento de carbono e utilização de combustíveis alternativos.
Sobre os combustíveis alternativos, vale uma reflexão. A IMO também determinou um objetivo de adoção de 5 a 10% de combustíveis de baixa emissão até 2030. O estudo do Pacto Global aponta como os principais combustíveis para descarbonização marítima os biocombustíveis, o GNL, os combustíveis sintéticos (e-fuels), o metanol, a amônia e o hidrogênio de baixo carbono.
Segundo dados da DNV e do IHSMaukit, 98% da frota mundial de navios hoje utiliza combustíveis convencionais. Porém, as empresas já iniciaram as encomendas de novas embarcações buscando atender às metas da IMO. Do total de navios encomendados aos estaleiros atualmente, 72,9% utilizam combustível convencional e as encomendas de combustíveis alternativos estão distribuídos da seguinte forma pelo número de navios: GNL, 832; Híbrido, 433; Metano, 234; GLO, 96; Amônio, 25; e Hidrogênio, 10.
Como bom maranhense e defensor do nosso complexo portuário preciso trazer essa discussão para o Maranhão, o maior complexo portuário do país em volume. O Maranhão possui três vocações econômicas naturais: energia, agronegócio e portos. Em um estado tão carente do ponto de vista econômico e social precisamos incentivar a apoiar os projetos que podem contribuir para um desenvolvimento sustentável do nosso estado. Existem alguns projetos em fase de planejamento, implantação ou de estudos que se enquadram nessa categoria. Posso citar alguns como a Zona de Processamento de Exportação de Bacabeira, Terminal Portuário de Alcântara, finalização da Ferrovia Norte-Sul e expansão da Ferrovia Transnordestina, exploração e desenvolvimento do Centro de Lançamento de Alcântara e mais um novo projeto, o Terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) da empresa LC Terminais Portuários.
Agora vou me concentrar nesse novo projeto. A instalação do novo terminal será na Ilha da Razão, localizada ao norte da Ilha de Tauá-Mirim, com um volume diário de 23 milhões de metros cúbicos. O conceito do Terminal de GNL envolve uma operação de recebimento de navios com gás no estado líquido, após o recebimento em um navio instalado há 1 km da costa, atracado de forma permanente em uma plataforma, classificada como uma Unidade Flutuante de Armazenamento e Regaseificação. Nela é feito um processo de regaseificação, o líquido volta ao estado gasoso por aquecimento. Depois ele é transportado para um centro de controle por meio de um gasoduto. Após essa armazenagem no centro de controle, o gás será distribuído pela Gasmar diretamente aos consumidores. Quem são esses consumidores? Indústrias locais e regionais, consumidores residenciais e o setor de transporte. O terminal não será um produtor de gás. E apesar de ser projetado para receber gás importado, pode também ser adaptado para exportação, se a produção local aumentar.
Esse projeto está relacionado diretamente com duas das três principais vocações econômicas do Maranhão, portos e energia. Além disso, outro motivo justifica a sua implantação. O Maranhão não está conectado ao sistema de gasodutos que transporta gás natural das explorações na costa brasileira e da Bolívia, o que limita o acesso do estado a essa importante fonte de energia. Essa via de recebimento ajudaria a resolver este problema de falta de conectividade ao sistema da gasodutos, permitindo a importação e distribuição de gás natural, aumentando a capacidade energética da região.
O projeto não prevê desapropriação de moradores e representa uma oportunidade para o desenvolvimento econômico, com geração de empregos e impulso da economia.
O projeto passou recentemente por audiência pública e segue em processo de obtenção das licenças permitidas. A implementação do terminal de gás representa uma oportunidade estratégica para o Maranhão desenvolver sua indústria de gás natural, gerando benefícios sociais e econômicos significativos para a população e para a região como um todo. Além disso, a iniciativa traz importantes ganhos ambientais, contribuindo para a descarbonização dos ecossistemas portuários e industriais.
Por exemplo, em equipamentos conhecidos como caldeiras flamotubulares – utilizadas para geração de energia por meio da produção de vapor, resultado da troca térmica entre o calor do combustível e a água –, o uso do gás natural é consideravelmente mais eficiente e menos poluente. Uma pesquisa de Moreira (2007), intitulada “Comparação entre os poluentes atmosféricos e ruídos emitidos por uma caldeira flamotubular movida a gás natural” , demonstrou que caldeiras movidas a gás natural, em comparação com o óleo diesel, emitem 17,8% menos CO₂; em relação ao óleo pesado, 23,4% a menos; e, em comparação com o carvão mineral, 37,8% menos CO₂.
Esses dados destacam o papel do gás natural como uma alternativa energética mais sustentável, especialmente no contexto industrial e portuário, contribuindo para um futuro de menor impacto ambiental.
Isso é descarbonização de verdade, com impacto ambiental, econômico e social.