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terça, 02 de julho de 2024
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Adilson Luiz Gonçalves

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“Êta nóis!”

O Brasil, desde a década de 1970, conta com o etanol como combustível veicular. Também misturado à gasolina, ele se tornou viável e de uso arraigado, sem risco de ser surpreendido no teste de bafômetro, ao contrário dos condutores. 

 Tenha alguma prevenção com relação a certas “ondas” que vêm do exterior, sobretudo de países desenvolvidos. Isso porque considero  necessário separar o que é modismo, oportunismo, interesses e consequências.

A questão ambiental é importante, intrinsecamente associada ao tema energia. O Brasil dá um espetáculo no âmbito energético, comparado a países do Hemisfério Norte, pois nossa matriz energética é muito mais “limpa”, baseada sobretudo na geração hidrelétrica, eólica e fotovoltaica. Porém, se por um lado esses modos de geração são menos poluentes, as represas inundam vastas áreas, as fazendas de energia solar devem ocupar áreas preferencialmente que não afetem o potencial agrícola, e os parques eólicos podem impactar seres vivos, por conta de ruídos.

Recentemente, até a implantação de uma linha de transmissão passou a ser criticada, por conta de impactar áreas da Mata Atlântica, no litoral de São Paulo. É difícil agradar gregos e ambientalistas, nos tempos de hoje.

Eles têm razão em defender seus entendimentos, mas falta um pouco de visão holística de sustentabilidade. Extremos podem, de um lado, levar à exaustão do planeta, num apocalipse ambiental; de outro, condenar a voltarmos a viver como nômades. O problema é como os quase 8 bilhões de terráqueos serão enquadrados nesses dois cenários. O caminho do meio é tentar conciliar aspectos econômicos, sociais e ambientais, sem radicalismos, com visão ampla e objetiva de consequências por parte dos que propõem soluções e ações.

Nesse sentido, um dos temas em voga é a produção de carros elétricos. Incentivando o setor, a União Europeia decidiu proibir veículos com motor a combustão a partir de 2035. Carros movidos a eletricidade e hidrogênio seriam a alternativa. Há alguns anos, essa era a solução sobretudo para ambientes urbanos, mas alguns problemas passaram a ser considerados: A produção das baterias elétricas não teria um impacto ambiental a ser considerado? O que fazer com as baterias descartadas? Não há riscos envolvidos na operação de veículos movidos a hidrogênio? Além disso, a autonomia das baterias é um fator limitador.

Veículos híbridos são uma alternativa para a falta de postos de abastecimento, sobretudo em países de maior extensão territorial. Consta que, nos EUA, há críticas quanto à eletrificação do país para o abastecimento de veículos. 

Também há que se considerar que o abastecimento desses veículos terá impacto no sistema de geração. Talvez por isso, aproveitando o momento, as vendas de veículos elétricos estejam em alta por aqui. Será que não ocorrerá algo parecido com o que acontece na Europa, com os carros elétricos usados?

Bem, toda a mudança de paradigma envolve mudança de costumes e custos elevados, até se tornar economicamente interessante, além de ambiental amigável e socialmente acessível, o que também é uma questão econômica, pois o transporte público e de alimentos afetam a “cesta básica”. Tampouco serão abordados potenciais impactos na empregabilidade.

A autogeração é uma alternativa em progresso, que pode ser a solução para a autonomia dos veículos, tendo a energia solar como indutora. A indução elétrica, que não é uma novidade, já faz isso com celulares.

Arthur C. Clarke já afirmou que qualquer nova tecnologia é indistinguível da mágica! Mas é preciso que ela seja bem desenvolvida, para não haver risco de cortar a assistente ao  meio, de verdade.

O Brasil, desde a década de 1970, conta com o etanol como combustível veicular. Também misturado à gasolina, ele se tornou viável e de uso arraigado, sem risco de ser surpreendido no teste de bafômetro, ao contrário dos condutores. 

Aqui foram desenvolvidos os primeiros motores “flex” para esses combustíveis. Houve problemas no início, como sempre. No entanto, depois dos “trancos e barrancos” iniciais,  incluindo tanquinhos de gasolina para “dar partida” a frio, e outros problemas técnicos, a tecnologia de produção de combustível e veículos evoluiu substancialmente. Com isso, nosso país ficou menos dependente do petróleo, utilizando um combustível menos impactante ao meio ambiente.

Há estudos que indicam que, considerando aspectos de produção e consumo, veículos movidos a  etanol são menos poluentes do que os elétricos. Aeronaves passaram a utilizar etanol, mas também é verdade que a Embraer projeta uma nova geração de aviões de médio porte movidos a eletricidade. Mas ainda serão necessários alguns anos, talvez décadas, para, de fato, suprimir o uso de combustíveis fósseis.

Por algum tempo, foi moda carros movidos a gás, com enormes tambores instalados nos porta-malas. Como o brasileiro é extremamente criativo – e, em alguns aspectos, temerário -, até botijões de gás liquefeito de petróleo (GLP – o mesmo de uso residencial) passaram a equipar veículos, com direito a musiquinha do grupo “Premeditando o Breque”. Ainda existem veículos movidos a gás natural veicular (GNV), é verdade.

As descobertas de poços de gás natural também contribuíram para a utilização desse combustível fóssil, menos poluente do que o GLP. Hoje, no Estado de São Paulo, a Congas possuiu uma ampla rede de distribuição desse combustível em áreas urbanas, abastecendo imóveis de todos os usos.

Aí, passamos do terrestre para o aquaviário. O transporte marítimo é considerado um significativo poluidor, apesar da melhor eficiência energética em relação a outros modos de transporte, entendida como consumo por tonelada movimentada. O uso de combustíveis como o “bunker” e óleo diesel têm sido os vilões da história. Estudo feito em 2010, apontava que a poluição provocada por navios em navegação costeira e operando em portos seria responsável por cerca de 90 mil óbitos anuais, em decorrência de doenças cardiorrespiratórias.

Os danos ambientais provocados por vazamentos de óleo também são preocupantes. O Brasil tem um triste histórico recente de um desses acidentes, de origem até hoje indefinida.

O uso de velas modernas, “paragliders”, sistemas baseados em energia eólica e fotovoltaica têm sido testados, se não como propulsão exclusiva, ao menos como meio de redução do consumo de combustíveis fósseis.

Ao mesmo tempo, a International Maritime Organization (IMO) passou a agir pela redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) por embarcações. A ação mais recente da IMO foi ratificar o acordo para redução de emissões até 2050, mediante um compromisso de garantir a adoção de combustíveis alternativos com emissões zero ou próximas de zero até 2030, além de pontos indicativos para 2030 e 2040.

O uso de palavras como “zero”, bem como de expressões do tipo “não poluente”, pode ser tratado como motivador, mas pouco exequíveis, considerando que suas tripulações não fariam parte das medições, se é que me entendem. Nesse meio tempo, a adoção de combustíveis de transição passou a ocorrer. O gás natural é um deles, mas é preciso que os portos estejam aptos a abastecê-los. Recentemente, um navio de cruzeiros não pode vir ao Brasil, por essa deficiência.

Também se discute como solução ideal o hidrogênio “verde”, além da amônia “verde”. Porém, o processo de produção e armazenagem é complexo. Por serem gases, eles precisam ser armazenados sob pressão, para que, liquefeitos, ocupem menos volume na embarcação. Há riscos envolvidos, sem dúvida, mas nada, em tese, que remeta a acidentes como o do dirigível Hindenburg, que utilizava o hidrogênio apenas para flutuar.

Mas é importante lembrar a celeuma provocada por conta da implantação da Unidade de Regaseificação implantada pela Compass, no Porto de Santos.

Provavelmente não faltarão novas impedâncias, se os navios também utilizarem esse combustível, aqui.

E quanto ao hidrogênio “verde”? Há uma série de iniciativas no Brasil: o Estado do Rio Grande do Norte pretende implantar uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE), tendo como base essa produção; a Autoridade Portuária de Santos (APS) também cogita produzi-lo a partir da Usina de Itatinga. O problema é que só existe uma embarcação movida por esse tipo de combustível no mundo, até a data de produção deste artigo. Isso não impede que ele seja utilizado para outros fins, ou seja, nada impede que seja produzido, desde que haja mercado consumidor.

Por tudo isso, fica claro que uma transição energética não se faz num estalar de dedos, ou da noite para o dia: é preciso mudar todo o conceito de produção de motores e de embarcações. No mínimo, é possível adaptar.

Tivemos esse tipo de transição com a introdução do etanol no Brasil. Até a entrada em produção de motores “flex”, os motores a gasolina precisaram ser adaptados mecanicamente. Atualmente, sensores e computadores de bordo fazem isso com extrema eficiência. Seria possível isso nas embarcações?

Uma tradicional mega empresa de navegação anunciou estudos sobre a utilização de metanol em motores convencionais de navios. Ao tomar conhecimento dessa iniciativa, consultei um representante da empresa se também cogitavam a utilização de etanol. Ele negou e informou desconhecer que houvesse estudos sobre essa alternativa. Fiz mais algumas consultas, sem resposta positiva. 

Soube, num evento recente, que aquela empresa estaria voltando a considerar o gás natural como combustível de transição. Nesse mesmo evento, tomei conhecimento que a empresa do palestrante não apenas estava fazendo testes com motores movidos a etanol, como já o havia utilizado com sucesso em embarcações. Mais do que isso, a empresa trabalha para viabilizar um motor “multiflex”, capaz de utilizar vários tipos de combustíveis, utilizando sistemas que automaticamente os identificam e reprogramam a operação.

Viva a Engenharia! Problemas para ela são matéria-prima! E é excelente que tenhamos gente dedicada a solucionar problemas, em vez de mantê-los, ou multiplicá-los, para viver deles.

Outra coisa interessante nessa apresentação foi conhecer a diferença entre etanol e etanol “verde”. Também conhecido como etanol de segunda geração, ou, simplesmente E2G, o etanol “verde” é obtido a partir de resíduos da produção do etanol (bagaço de cana, por exemplo), sendo menos poluente. 

Outra curiosidade bastante interessante é que, sendo líquido e um tipo de álcool, mesmo não tendo o mesmo poder calorífico dos combustíveis convencionais utilizados por navios, ele não exige significativo aumento dos reservatórios de bordo, sem os riscos que envolvem propelentes gasosos sob pressão. Nesse sentido, foi dito que o etanol também poderia ser parcialmente armazenado em tanques de lastro dos navios, tendo dupla e útil função.

E no caso de vazamentos? A resposta foi que, sendo um álcool, impactaria menos do que o óleo: ficaria diluído na água do mar e evaporaria parcialmente.

O que pareceu ser a grande sacada desse motor “multiflex” é justamente colocar o etanol na equação do abastecimento de navios. Desta forma, a adequação de motores e embarcações talvez não precise ser tão radical, e os portos brasileiros estariam aptos a abastecer navios de imediato, sem embarcar em “ondas”, o que não significa deixar de desenvolver outros combustíveis.

Também é preciso ser “flex” nesse âmbito, ainda mais considerando que cerca de 90% do comércio internacional ocorrem por meio marítimo.

Parece que há bons ventos por aí, na direção da redução de emissões de GEE, com o Brasil participando de forma mais intensa desse processo. O ideal seria que nossa indústria naval não tivesse sido tão desprezada, perdendo a representatividade que tinha até os anos de 1970, quando era uma das mais importantes do mudo.

O Programa BR do Mar tende a auxiliar na recuperação do setor com outro foco, pois atualmente seria impossível competir com os estaleiros asiáticos na produção de navios de médio e grande porte. No entanto, o desenvolvimento de tecnologias de motorização e combustíveis pode ser um mercado bastante promissor para a pesquisa e a indústria nacionais.

Poderemos ser menos passíveis nesse setor, fundamental para a economia mundial, incluindo “Êta nóis” nele!

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