Fórmula Um: Muito além da velocidade, gestão
“No que diz respeito ao empenho, ao compromisso, ao esforço e à dedicação, não existe meio termo. Ou você faz bem feito ou não faz”
Ayrton Senna
Sou fã incondicional de Fórmula 1. Daqueles que colocam o relógio para despertar a qualquer hora do dia ou da noite para assistir às sessões de treinos, qualificações e corridas. Se não puder assistir pela TV, faço-o usando um aplicativo no celular. Nunca parei de torcer ou assistir, mesmo quando deixamos de ter os grandes pilotos brasileiros competindo. Vou a todas as corridas que consigo e visito todos os autódromos que posso, ainda que tenha que mudar um pouco o roteiro para isso.
O que me chama a atenção nesse esporte é a profunda conexão que existe entre a dinâmica das pistas e dos bastidores, com o que acontece na vida real. E a clareza com que essas relações se apresentam a cada corrida. Quem não se encanta com a possibilidade de ver todo o cenário alterado por um acerto ou erro que pode ser cometido num milésimo de segundo, um pingo de chuva inesperado? Para quem acredita, é o “destino” sendo escrito ao vivo, exatamente como ocorre em nossas vidas e carreiras.
Para ser cem por cento honesto, tenho que dizer também que é um esporte que tem muito a ver com meu desejo pessoal de vencer. Sim, eu jogo para ganhar. Cada proposta, cada projeto, cada cliente é um Grande Prêmio.
Expondo-me dessa forma, sou obrigado a dizer também que só acredito na disputa sadia e que sei que as derrotas ensinam muito mais do que as vitórias.
Além das corridas, como negócio, avaliado hoje em mais de R$ 85 bilhões, a Fórmula 1 tem muito a nos ensinar também sobre o binômio investimento-custos e sua gestão. Os potenciais problemas são do exato tamanho dos orçamentos. Evitar e, se não for possível, mitigar os riscos são as palavras de ordem, junto com planejamento e estratégia.
Em poucos negócios no mundo a gestão da comunicação corporativa é tão importante. Formar capital positivo de imagem é fundamental para gerenciar crises, num universo em que há centenas de stakeholders e seus respectivos interesses conflitantes a gerenciar. Uma palavra mal colocada pode gerar uma cadeia de acontecimentos indesejados, assistida on line por milhões de pessoas. Não há espaço para regras de governança que não sejam praticadas de fato.
É também um ambiente de negócios em que a tensão está presente todo o tempo. Nas pistas e, mais ainda, fora delas. Líderes, bem informados sobre tudo o que acontece, têm que tomar decisões rápidas como os carros que gerenciam – e estarem bem para continuarem decidindo sob pressão após o acerto ou erro. Isso é pura resiliência. Talvez por isso admiro tanto os chefes de equipe, quanto os pilotos.
Tecnologia e inovação devem acontecer todo o tempo, mas acomodadas sob regras severas. Uma alteração mal interpretada pode jogar fora o esforço e o investimento de meses. Já imaginou conviver diariamente com essa aparente dicotomia?
A quem valoriza pensamento globalizado, eu convido a imaginar o que é desmontar e montar e estrutura operacional do negócio por 23 vezes num mesmo ano, reinstalando-o sob culturas diferentes, uma vez a cada etapa do calendário. Diversas formas de pensar e agir. Diferentes idiomas, alimentação e geografia.
Mas é na gestão das equipes que a Fórmula 1 faz realmente a diferença, como exemplo positivo. Gerenciar processos e pessoas capazes de trocar quatro pneus em 1,8 segundo é algo notável. Teamwork na veia.
Treinamento constante e paixão em fazer o melhor possível. Organização e precisão absolutas. Quem já teve a oportunidade de entrar no box de uma grande escuderia viu o melhor programa de 5S que existe. Cada item está no seu lugar específico, absolutamente pronto para ser usado.
Há conflitos a serem gerenciados? Sim, como em todas as equipes. Mas os assuntos não são deixados para depois, ou mal resolvidos. Não há tempo para isso (e eu pergunto quem tem?). Dizer o que tem que ser dito, com fatos e dados nas mãos, de forma tranquila, é o que garante o engajamento e a gestão adequada de talentos. Literalmente cada camisa é vestida junto com o sentimento de pertencimento que sabemos ser tão importante. Ou você já viu os colaboradores de uma empresa que não os valoriza cantarem entusiasmados os hinos nacionais – de um país que talvez não seja o dele – a cada vitória?
Talvez por tudo isso, eu e muitos de vocês, e as gerações que nos antecederam, afinal neste ano, estamos na 75ª. temporada, continuamos assistindo a esse espetáculo de sucesso.
Que a próxima “melhor volta” seja a sua e a de sua empresa.