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quarta, 03 de julho de 2024
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Adilson Luiz Gonçalves

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Mauá e a industrialização do Brasil

Um dos personagens mais importantes da história do Brasil, em minha opinião, não é um mártir ou líder carismático, mas um sujeito empreendedor, autor de um desconcertante “baile” financeiro em banqueiros ingleses, que especulavam contra a moeda nacional de então, antes de tornar-se pioneiro da industrialização do Brasil, nos tempos do Segundo Império.

Seu nome: Irineu Evangelista de Sousa (1813-1889), mais conhecido como Visconde de Mauá. Em termos de efetiva importância para nosso País, ele está em nível semelhante a outro prócer nacional: José Bonifácio de Andrada de Silva. Ambos, por seus feitos, superam qualquer narrativa.

A contribuição de Mauá para a industrialização do Brasil foi marcante, o mesmo valendo para a área de infraestrutura de transportes, pioneiro que foi na implantação de ferrovias.

É fato que os ingleses não o perdoaram, e tempos depois lhe deram o “troco”. Mas ele não se deixou abater, e conseguiu se recuperar.

Porém, não foram só os poderosos e rancorosos ingleses que o prejudicaram: nobres latifundiários o desprezavam, pois entendiam que o Brasil tinha unicamente vocação agrária. Se o binômio agricultura-indústria, associado a investimentos em infraestrutura de transporte, tivesse uma relação mais amistosa e complementar naquele tempo, talvez estivéssemos no mesmo patamar de outras ex-colônias que, uma vez independentes, se desenvolveram até se tornarem superpotências, como os EUA, por exemplo.

Não teríamos sido o “quintal” dos Estados Unidos. Seríamos bem mais do que o “celeiro do mundo” e, como povo desenvolvido, bem instruído e dotado de consciência nacional, sem exageros ufanistas ou fanatismos, nunca haveria espaço para o assistencialismo que infelizmente define “currais” eleitorais.

Por que essa introdução?

Bem, porque o cenário atual ainda faz lembrar, em certa medida, o dos tempos de Mauá: o agronegócio e o extrativismo mineral permanecem predominantes, imprescindíveis à nossa balança comercial; o setor industrial precisando ampliar sua participação no PIB nacional; e investimentos em infraestrutura sistematicamente prejudicados por um arcabouço legal confuso e conflitante, ainda sujeito à burocracia e à judicialização, que prejudicam de forma absurda o desenvolvimento do Brasil.

Essa condição, mais do que uma percepção, foi confirmada no XXIV Seminário Internacional Café Santos, realizado entre 21 e 23 de maio de 2024:

Durante a cerimônia de abertura do evento, um dos participantes voltou a mencionar que o Brasil é o principal exportador mundial de café, mas importa cápsulas para seu acondicionamento de países desenvolvidos, que não o cultivam. Outro complementou que esses países lucram de quatro a cinco vezes mais processando o café que importam de nosso País.

Assim, essa troca nunca será um seis por meia dúzia, e continuaremos meros fornecedores de matérias-primas.

Essa tem sido a sina do Brasil, com raríssimas, mas meritórias exceções: exportar “commodities” de baixo valor agregado e importar produtos industrializados, inclusive a partir dessas mesmas “commodities”.

Como superar essa “síndrome”?

Em artigo anterior, comentei sobre a oportunidade representada pela revisão do Plano Nacional de Logística (PNL) 2035 e pela elaboração dos planos mestres dos portos públicos. O mesmo vale para a revisão da legislação e da regulamentação relativas às Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), essa muito em função da Reforma Tributária, cuja regulamentação está em curso.

A junção desses três processos favorece à reindustrialização/neoindustrialização do Brasil, e ao incremento da participação de produtos de alto valor agregado e de tecnologia nas exportações nacionais.

O agronegócio – que o Brasil faz muito bem! – permanecerá como protagonista, apesar das pressões protecionistas de países desenvolvidos e do ativismo ambiental radical – em alguns casos, também financiado por interesses estrangeiros. Mas é preciso desenvolver a pesquisa científica e tecnológica em nosso País, como fator estratégico para obtenção de autonomia e ratificação de nossa autodeterminação. Isso tem que estar acima de interesses político-partidários, ideológicos ou vaidades: é uma questão de Estado!

Poucos não podem colocar seus interesses pessoais, corporativos ou internacionais acima dos de 215 milhões de brasileiros, que precisam de investimentos em saúde, educação e habitação, os quais dependem de empreendimentos que geram receita e empregos.

Pois bem, uma das sugestões que fiz diretamente aos responsáveis pela revisão do PNL 2035 foi que incluíssem, no estudo, a definição de áreas com potencial para a implantação de atividades industriais próximas a portos e aeroportos. Essas áreas teriam vantagens logísticas que também poderiam ser estendidas às indústrias existentes no interior do País. No caso de equipamentos de grande porte, como turbinas, geradores, transformadores e afins, em vez de serem trazidos em carretas especiais, lentas, com horários restritos de circulação em rodovias, também submissos à geometria destas, as peças poderiam vir em contêineres, também por ferrovias, e serem montadas e customizadas em unidades industriais lindeiras a portos. Não faltam exemplos da racionalidade e eficácia desse modelo nos principais portos e aeroportos do mundo.

Obviamente, além de definir essas áreas, também é necessário considerar os acessos terrestres a elas, determinando prioridades com foco em curto, médio e longo prazos. Essas obras precisam ser priorizadas em todos os níveis de Governo e, principalmente, entre os Três Poderes!

Uma vez definidas as áreas com potencial para implantação de indústrias próximas a portos e aeroportos, o Governo Federal, mais especificamente o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC, ao qual está subordinado o Conselho Nacional de Zonas de Processamento de Exportação – CZPE, poderia atuar de forma mais dinâmica.

Explico: em 2022, durante um evento no qual foi abordado o tema ZPE, um representante do Ministério da Economia, ao qual, então, estava subordinado o CZPE, afirmou que o órgão estava aberto à recepção de propostas. Ponderei que se o interesse pela reindustrialização era do próprio Governo Federal, o ideal seria que o Ministério adotasse um postura de efetivo fomento, e não meramente passiva.

O Governo Federal mudou e o CZPE retornou ao organograma do MDIC. Nesse meio tempo, também fui amadurecendo a ideia. Também contribuiu para essa reflexão a alteração ocorrida na legislação de ZPE, em 2021, que possibilitou à iniciativa privada também pleitear autorização para a implantação de zonas de processamento de exportação. A de Aracruz/ES foi a primeira autorizada, em 2023.

Assim, aproveitando a revisão da legislação e da regulamentação das ZPE, além da sugestão feita aos responsáveis pela elaboração da revisão do PNL 2035 e dos planos mestres, também encaminhei alguns questionamentos/sugestões ao CZPE.

Basicamente, questionei se aquele conselho, em vez de apenas receber pleitos, não poderia fazer chamamentos públicos para a implantação de ZPEs em áreas estratégicas. Em caso negativo, sugeri que essa atribuição fosse incorporada na revisão em curso.

Em qualquer caso, com o PLN 2035 e os planos mestres definindo o interesse estratégico da implantação de complexos industriais próximos de portos e aeroportos, o CZPE poderá promover chamamentos públicos para sua viabilização, seguindo o rito convencional, com os interessados apresentando estudos de viabilidade, terreno e ao menos um projeto industrial.

Creio que não faltarão interessados privados, nacionais e internacionais nesse processo. E vale lembrar que a proposta não é de criar concorrência predatória com as indústrias existentes, mas de fomentar a diversificação de produtos associados à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico, com ênfase no comércio exterior, também reduzindo nossa dependência de importações de produtos de alta tecnologia.

Talvez Irineu Evangelista de Sousa, que tanto se empenhou pela industrialização do Brasil, perguntasse: Que mal há nisso?

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