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Luiz Dias Guimarães

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Minnie, um achado arqueológico

“Minnie simplesmente integra o legado de restos de um povo que, não satisfeito com a natureza, se pôs a ser criador de seus próprios apetrechos e castelos. E como muito do que fabricamos não é orgânico, depois de obsoleto, ao deixar de servir às necessidades e desejos, é abandonado no mar, nos desertos e até no ar.”

Minnie poderia se tornar um achado arqueológico em algum tempo futuro, não tivesse sido pescada no mar de Ilhabela. Os pesquisadores, que mergulharam até 1,5 mil metros em Florianópolis e na ilha paulista, encontraram a boneca nas profundezas em que habitam seres que jamais imaginamos.

Os oceanos guardam vida, surpresas e mistérios. Não conhecemos nem dez por cento dos que vivem no fundo do mar. Recentemente, pesquisadores encontraram 100 novas espécies nas águas do Chile. Mas não é dessas espécies que me ocupo agora. Penso em Minnie, uma deusa do universo mitológico infantil, ao menos para nossa civilização. Há quem diga que somos a sétima civilização humana a habitar o planeta.

Minnie, a pequena boneca de polímero, foi achada junto com outros lixos, depois de alguma criança ter-se desfeito da sua ilusão. A pequena estava junto a latinhas de cerveja e sacos plásticos que ainda teimam em existir. Fico imaginando um dia bem longe do que vivemos agora um arqueólogo, ou mesmo simples curioso, encontrar a escultura colorida de plástico como volta e meia nos deparamos hoje com imagens sacras ou atéias de diferentes estágios de crença e fantasia. Que significado atribuiriam ao pequeno objeto perdido de nossa civilização?

Minnie simplesmente integra o legado de restos de um povo que, não satisfeito com a natureza, se pôs a ser criador de seus próprios apetrechos e castelos. E como muito do que fabricamos não é orgânico, depois de obsoleto, ao deixar de servir às necessidades e desejos, é abandonado no mar, nos desertos e até no ar. Pequenas e grandes utilidades  frutos de tanta ousadia como aparentemente nenhuma outra civilização ousou.

Penso nisso toda vez que descobrimos pirâmides, templos e cidades soterrados ou encobertos pelas matas que vencem os tempos. Intriga-me tanta engenhosidade e força para transportarem blocos de rocha e fazer-lhes encaixes que só a laser se poderia hoje.

Poucos foram os apetrechos criados, toscas e básicas ferramentas à base de pedra e ferro, que acabaram por fazer-nos supor que essas antigas obras monumentais volta-e-meia localizadas foram obras da inteligência alienígena.

Tendo a acreditar que aqueles que nos antecederam atingiram um grau de sabedoria tal que dispensava ter-se de criar coisas para construir outras tantas. Teletransporte, poder mental, domínio da energia vital que a tudo comanda?

Fato é que achamos cidades e templos de pedra e barro, e nenhum cemitério como estamos a criar neste momento no planeta. O norte do Pacífico, com sua imensa ilha de garrafas pet, os desertos do Atacama e da Califórnia, e o fundo do mar, serão um dia revelados aos incrédulos humanos que nos sucederão e ficarão perplexos diante de tantas naves, embalagens, televisores e escovas de dentes abandonados.

Isso tudo sem falarmos dos microplásticos e nanoplásticos que, sorrateiramente ameaçam a vida marinha e a humana, e circulam perdidos até no ar que ainda conseguimos respirar. Já há estudos científicos que mostram a presença desses fragmentos  em intestinos, no sangue e até no cérebro humano e podem ser cada vez mais causadores de tumores.

Mas diante dos cemitérios de quinquilharias, os que nos sucederão pensarão o quanto inteligentes fomos para criar tantos produtos. Ou então o quanto foi preciso inventarmos e produzirmos para sobreviver e tentar a felicidade do conforto. E não me parece que outros povos, de outros tempos, tenham sido infelizes.

De qualquer forma, esse é o triste legado que estamos deixando às formas de vida que surgirão um dia com sentimento e razão como os humanos que hoje fabricam e descartam Minnies. Para alimentar sonhos de uma civilização que às vezes errou o caminho.

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