Morgana, a fada das ilusões
Sonhos não são necessariamente ilusões. Há de se distinguir uns dos outros. Sonhos são desejos mirados que nos alimentam e nos movem na vida. E dependendo do esforço, do talento e da sorte, podem se realizar. Ilusões não.
Caí no mundo da astrofísica esta semana por duas notícias que vão além das evidências do tempo que nos impactam nestes dias. Os cientistas alertam que deveríamos reduzir à metade o uso de energia fóssil até 2030, mas estamos dobrando sua produção. Mesmo com a febre da energia renovável que de tão promissora já começa a se contaminar pela corrupção, como sugere a investigação que derrubou o primeiro-ministro de Portugal.
Lá o clima está quente, não só por isso mas também por fossilizarmos a vida. Há um mês, em Portugal e Itália, me deparava com calor inclemente no começo do Outono europeu. A tragédia se confirmou. Estão vivendo o Outono mais quente dos últimos 125 mil anos, se é mesmo possível comparar. Há milhões de anos os dinossauros conseguiam resistir a um calor colossal. Nós, humanos, não.
Mas a astrofísica é o que me encanta nestes dias de guerra. Pois não é que a aurora boreal resolveu descer do Ártico e compensar o calor na borda do Hemisfério Norte? Sim, até em Portugal pôde ser vista, além de Espanha e Estados Unidos. O impacto dos ventos solares sobre o campo magnético do planeta costuma produzir o belo espetáculo. Temi que o campo magnético houvesse mudado. Não seria de surpreender diante de tudo que acontece por aí, mas aparentemente os cientistas não se alarmaram.
Aurora boreal não é sonho nem ilusão, só encantamento, predicado comum também a estes dois. Gosto do sonho factível, mesmo que às vezes pareça inalcançável. Mas da ilusão não, se bem que esta já moveu muitos desbravadores para perseguirem e encontrarem novos mundos.
Falo da Fata Morgana, como é famoso na Itália o fenômeno ótico que há muito povoa os espíritos aventureiros. Fata Morgana (fada em italiano) é na mitologia a feiticeira meia-irmã do Rei Artur que conseguia mudar de aparência.
Trata-se de uma miragem em alto-mar que se deve a uma inversão térmica, também frequentes em regiões de gelo. Objetos que se encontrem no horizonte como ilhas, falésias, barcos ou icebergs, adquirem uma aparência alargada e elevada, similar aos castelos de contos de fadas. Aprendi que se chama Princípio de Fermat esse fenômeno.
A Fata Morgana mais célebre é a que se produz no estreito de Messina, entre a Calábria e a Sicília. Com tempo calmo, a separação regular entre o ar quente e o ar frio (mais denso) perto da superfície terrestre pode atuar como uma lente, produzindo uma imagem invertida, sobre a qual a imagem distante parece flutuar, como nossos sonhos e ilusões.
Talvez a mitologia tenha antevisto o que começa a acontecer. Exemplo são os ventos, que além de impactarem o campo magnético no Hemisfério Norte, têm devassado muitas plagas a ponto de ficarmos horas e dias sem luz. Temo que Éolo, rei dos ventos que teria enclausurado as tormentas nas cavernas do Etna, veio agora as libertar.
Ilusões físicas atiçam navegadores. Ilusões mentais enlouquecem, como as miragens de oásis no deserto. Nem sempre é possível distinguir. Só espero e torço que o pior seja simplesmente brincadeira da fada Morgana e possamos perseguir nossos sonhos, sem ilusões.