Movimento nas águas na BTS
Dois fatos, coincidentemente anunciados em um mesmo dia, agitaram as águas da Baía de Todos os Santos (BTS) no final de outubro: a mudança do controle acionário da Wilson, Sons – proprietária do Tecon Salvador – e a colocação, para venda, do Estaleiro Enseada do Paraguaçu, com seu TUP e área industrial. Ambos eram movimentos já esperados, mas que agora foram formalmente postos na praça.
Desde que a Maersk adquiriu parte da área do Estaleiro Atlântico Sul para instalação de um terminal de contêineres em Suape (PE), esperava-se algum movimento em relação à BTS. E o alvo seria, naturalmente, o Tecon Salvador, seu único terminal de contêineres.
Uma boutique em termos de tecnologia, eficiência e produtividade, o Tecon Salvador tem reconhecimento internacional, situando-se como o 6º melhor do mundo, de acordo com o Índice Global de Desempenho Portuário de Contêineres (CPPI), na categoria até 500.000 TEUs, marca que poderá ser ultrapassada este ano.
Com a chegada da Mediterranean Shipping Company (MSC) – mesma empresa que opera a recente Rota Bahia-Ásia – a expectativa é que haja, por um lado, uma rápida ampliação da capacidade de armazenagem no pátio de contêineres e criação de retroporto. De outro, a consolidação da rota Bahia-Ásia e o fortalecimento ou criação de outras rotas, para a Europa, Estados Unidos e Mercosul, além da cabotagem.
Quanto à ampliação imediata do pátio de contêineres, aliás, já existe compromisso de financiamento pelo Fundo da Marinha Mercante (FMM), através do BNDES, no montante de R$ 942,4 milhões.
Em relação ao Estaleiro Enseada do Paraguaçu, trata-se de um complexo industrial, naval e logístico, o mais bem equipado estaleiro nacional preparado para a construção e integração de unidades offshore, como plataformas, navios especializados e unidades de perfuração voltadas para a produção de petróleo. Entrou em crise com o naufrágio da política de incentivo à construção naval, agora sendo retomada.
Enseada é um dos maiores estaleiros nacionais e considerado o maior investimento privado da indústria naval brasileira, com montante da ordem de US$ 1 bilhão.
A função de estaleiro está sendo retomada com a encomenda de 80 barcaças mineraleiras, com capacidade de transporte de 2.900 t cada, para a LHG Mining, do grupo J&F. A diversificação de suas atividades incluiu um terminal de uso privado (TUP), com área alfandegada de 750 mil m², realizando operações de exportação e importação de granéis sólidos (mineral e vegetal), carga geral e de projeto, com destaque para a movimentação de componentes de aerogeradores.
Embora ocorra agora a retomada da mesma política que inspirou sua implantação, o estaleiro, em regime de recuperação judicial, foi colocado à venda pelos seus credores, o Banco do Brasil e a Caixa, o que pode, em princípio, atrair para a Baía de Todos os Santos outro armador ou operador logístico.
Estes dois movimentos vêm juntar-se a duas outras iniciativas, ambas já implementadas, para ampliação de capacidade em instalações portuárias na BTS: a requalificação do Terminal Aquaviário de Madre de Deus (Temadre) e a construção do terceiro berço no Terminal Portuário Cotegipe (TPC).
De propriedade da Acelen – que o adquiriu junto com a Refinaria de Mataripe – o Temadre passou recentemente pela ampliação da sua capacidade operacional, apresentando agora condições de operar com os gigantes navios do tipo SuezMax, com capacidade em torno de um milhão de barris de petróleo, reduzindo a necessidade de operações ship to ship ao largo da BTS. Foram recuperadas a profundidade de 15,5 metros e as estruturas de amarração e atracação dos navios. Dedicado à movimentação de granéis líquidos, o Temadre é a principal unidade portuária da BTS em volume de cargas.
O TPC movimentou 6 milhões de toneladas de grãos em 2023, sendo o principal porto de escoamento da soja e do farelo de soja produzidos no Oeste baiano. Com a implantação do terceiro berço e a ampliação da capacidade estática de armazenagem para 500.000 t, passou a ter condições de movimentar acima de 10 milhões de t/ano.
São passos largos que dá a BTS para tornar-se um importante complexo portuário em escala global, haja vista sua condição natural e localização privilegiada na costa do Atlântico Sul.
Porto, por sua vez, exige ferrovia. Não é pois sem razão que a Bahia se mobilizou para defender e preservar os seus interesses no momento em que o Governo Federal, via Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), decide quanto à renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro Atlântica (FCA).
O Complexo Portuário da Baía de Todos os Santos (BTS-Port) constitui importante alternativa portuária também para o norte de Minas Gerais, dentre outras razões para a preservação da Linha Minas-Bahia, que foi abandonada à própria sorte pela concessionária ao longo da últimas três décadas, com graves e profundos prejuízos para a economia baiana, inclusive retardando o desenvolvimento portuário da BTS.
Enquanto não se define a questão ferroviária, contudo, é notável o aumento da movimentação de navios singrando as águas da BTS.
A Bahia precisa explorar economicamente a vantagem de fazer divisa com oito outros estados da federação. E o BTS-Port é seu grande trunfo, constituindo-se em ativo de valor inestimável como ponto focal desta estratégia, para que o estado possa promover, criar e desenvolver a sua própria “rota da seda”.