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Luiz Dias Guimarães

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Mundo animal

“George Orwell sim, esse encarou os animais com seriedade, quando criou A Revolução dos Bichos, uma fábula política que mostrou a imperfeição do ser humano quando ascende em sociedade. A fábula é frequentemente lembrada hoje em dia. Mas nem Orwell, que prognosticou tantas mudanças, foi capaz de supor que o homem se transformaria literalmente num animal qualquer”

Às vezes penso nada mais esperar neste mundo louco. Mas sou sempre surpreendido. É visível a transformação desde que passamos ao terceiro milênio. Agora a moda é virar animal num sentido que extrapola como nos referimos a um desafeto.

Há pouco mais de um século, o tcheco Franz Kafka narrou a mutação do personagem em uma enorme barata. Mas era apenas uma metáfora de quem se sentia deslocado do meio e em crise existencial. Décadas depois, surgiu o Homem-Aranha para a alegria da garotada, no filme sem pretensão além da trama romanesca.

George Orwell sim, esse encarou os animais com seriedade, quando criou A Revolução dos Bichos, uma fábula política que mostrou a imperfeição do ser humano quando ascende em sociedade. A fábula é frequentemente lembrada hoje em dia. Mas nem Orwell, que prognosticou tantas mudanças, foi capaz de supor que o homem se transformaria literalmente num animal qualquer.

Pois é isso que venho observando. As atitudes bestiais de alguns autocratas não se restringem a eles, mas atinge o ser comum, além daqueles que considero um porco, uma cobra ou um leão.

Há, é fato, uma crise existencial epidêmica. Nossos jovens – e alguns não tão jovens assim – transformam seus corpos em pele de serpente, tantas são as tatuagens, e espetam piercings em tudo que podem. Revolução estética, puro modismo ou insatisfação consigo mesmo, beirando a auto-mutilação.

A loucura vai muito além. Há uns vinte anos um japonês, que se identificava com um cão, correu de quatro desembestado, feito vira-lata atrás da bicicleta, e acabou ganhando menção no livro dos recordes. A coisa agora se alastrou em bandos. São chamados therians, ou furry, aqueles que se sentem um animal e por isso vestem peles, máscaras e demais apetrechos como se cães, gatos ou lobos fossem. E pior, saem em matilhas latindo, miando ou uivando.

São pessoas que se identificam assim, se sentem assim e agem da mesma forma. Por vezes até comem ração e urinam no poste. Recentemente um bando deles provocou cena inusitada diante de policiais em Berlim. Há nas redes depoimentos e alguns revelam sincera e plena convicção.

O quadro parece demonstrar a rara síndrome psiquiátrica chamada licantropia clínica, que talvez agora esteja ganhando ar endêmico. Mas há também a moda – arg, sempre a moda – especialmente entre os jovens, neste século da geração nem-nem que prolifera no planeta. Aqueles que nem estudam nem trabalham. E até mesmo os que se dedicam a algo, dada a crise existencial de variadas causas, acabam aderindo ao modismo categorizado como modalidade esportiva. Quadróbica é o nome desse esporte cujos ‘atletas’ colocam a parafernália animal e saem correndo de quatro.

Não sei por quanto tempo a moda vai durar. Ou se a humanidade vai literalmente se transformar um dia. Só espero nunca acordar na cama com corpo de barata ou agarrado a uma teia no lustre do surpreendente terceiro milênio.

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