Mundo de saruês
Ela mora no apartamento térreo, em importante avenida de Santos. Ao abrir o forno do fogão deu de cara com um saruê, aquele gambá de orelhas pretas. Trinta por cento dos jovens portugueses deixaram o país. E na Islândia duas placas tectônicas estão abrindo extensa fenda que expele gases ameaçando eruptir. O humor dos governantes e seus povos anda muito inflamado. Há uma relação nisso tudo?
Antes de mais nada devo avisar que esse saruê é uma fêmea, e buscou abrigo para parir sua prole. Outros a acompanham nessa mudança de ambiente e de vida. Fato é que cada um, a seu modo, tenta buscar reagir aos infortúnios do tempo e se acomodar da maneira que melhor o realize.
Li outro dia, na enxurrada de descobertas, que as atuais condições cósmicas podem estar influenciando o humor neste mundo, cheio de guerras e extremismos ideológicos e religiosos, violência e irritabilidade.
Muita gente não está contente com sua condição e seu espaço, e antes que pergunte o que as placas da Islândia têm a ver com isso tudo, lembro que o planeta também é um ser vivo, como eu e o saruê.
Nas últimas décadas tem ocorrido assustadora migração. Desde nômades digitais a povos sofridos que desafiam os mares e os muros para tentar sobreviver. As cidades de primeiro mundo são as mais afetadas, como Paris, Lisboa e Barcelona. Suas ruas acolhem cada vez mais tanta gente perdida, de várias etnias.
Lugares como Las Vegas e Toronto veem brotar nas avenidas, como se fossem fornos, saruês humanos que evidenciam triste tragédia não obstante tanta ferramenta digital.
Ainda bem que, apesar de tudo, ainda há um instinto de humanismo e solidariedade que às vezes aflora. Um casal de moradores de rua postou como tem sido sua vida e seu sonho. Além de tantos likes, conquistou uma bendita alma que lhe ofertou moradia.
Mas há um desconforto geral. Os cientistas começam a entender que tudo é uma energia só. Assim como a água não morre, apenas se transforma, tudo é uma energia que pode estar nas estrelas, no ar, em forma de matéria ou nas nossas vibrações.
Alguma coisa mudou para levar os saruês para o mundo urbanizado. Como os caracóis africanos que proliferam hoje em nosso continente, rompendo fronteiras e globalizando os habitats. Ou os pardais que um dia vieram de navio com os portugueses.
Só espero que isso não valha para a Austrália, que, entre tantos mistérios da vida no planeta, há anos me encanta e intriga cada vez mais. O país parece haver sido escolhido para exotizar a natureza. Cada região possui uma serpente mortífera. Por exemplo: no Brasil a cascavel; na Índia, a java. Pois não é que na Austrália há as quinze espécies mais mortais que em geral só existem em um canto do mundo? Não quero nem lembrar a proliferação existente em regiões áridas de tantos escorpiões.
É impressionante o número de aberrações animais que lá surgem em mar e em terra, como moréias e tubarões enormes, entre outras descobertas de verdadeiros monstros.
Prefiro pensar só nos simpáticos cangurus. Quem sabe um dia, saltitantes, partam também de suas plagas para invadir cidades encantadoras como Sidney e Melbourne para criar sua prole que carregam na barriga.
Isto tudo pode parecer devaneio de cronista, mas de verdade entendo por que jovens buscam novo destino, fenômenos na crosta terrestre surpreendem e povos invadem as ruas. Somos sim, cada um à sua maneira, verdadeiros saruês perdidos.