Museu no Porto – Terra e Mar
Depois de muito tempo e negociações no âmbito da relação porto-cidade, foi possível concretizar o Parque Valongo: uma obra emblemática de uma bem-vinda evolução na relação porto-cidade! Um bom exemplo de como o poder público e a iniciativa privada podem colaborar e contribuir para o bem da comunidade, e o resgate da identidade portuária de seus cidadãos.
Sempre que viajo para cidades que têm porto, gosto de conhecer alguns aspectos das instalações desses complexos, não apenas operacionais, pois também gosto de conhecer um pouco de suas histórias.
Imaginem estar em Rotterdam e não conhecer seu porto… É como ir a Roma e não visitar o Vaticano, guardadas as devidas proporções.
A cidade foi duramente e por bastante tempo castigada, durante a Segunda Guerra Mundial. Por conta disso, grande parte de sua área urbana foi destruída. O processo de recuperação incluiu o resgate de edificações históricas, mas também trouxe contemporaneidade à cidade, que passou a ser conhecida como um “paraíso dos arquitetos”.
Como atuo na área portuária há algum tempo, conhecer o Maritiem Museum teve um gosto especial. Ali estavam expostos embarcações e equipamentos desativados, mas muito bem conservados, alguns deles acessíveis. A área de uma antiga oficina também foi visitada e, ao sair dela, adentramos o espaço de lembranças, onde há uma grande maquete do porto.
O Porto de Rotterdam foi criado no século XIV, ou seja, em tese não é tão mais antigo que o Porto de Santos, este estabelecido na primeira metade do século XVI.
Tanto Portugal como os Países Baixos tiveram papel central na Idade Moderna, com ênfase nas Grandes Navegações e na busca por novos territórios de além-mar.
Não à toa, os holandeses se estabeleceram na região de Pernambuco por algum tempo, deixando influências ainda notáveis naquele estado.
Atualmente, o Porto de Rotterdam é uma das principais referências para o sistema portuário brasileiro, junto com Antuérpia e Valência. No que se refere à história, também incluiria Barcelona, com seu espetacular Museu Marítimo. Mas ele não tem ligação direta com a linha d’água.
Existem vários exemplos de revitalizações de áreas portuárias desativadas pelo mundo. No Brasil, merece destaque a Estação das Docas, em Belém do Pará. Lá, além da recuperação dos armazéns, alguns guindastes permanecem no local, acrescentando à visão da linha d´água o ambiente portuário.
Depois de muito tempo e negociações no âmbito da relação porto-cidade, foi possível concretizar o Parque Valongo: uma obra emblemática de uma bem-vinda evolução na relação porto-cidade! Um bom exemplo de como o poder público e a iniciativa privada podem colaborar e contribuir para o bem da comunidade, e o resgate da identidade portuária de seus cidadãos.
Embora não fizesse parte do escopo do projeto, a presença do ex-navio oceanográfico Prof. W. Besnard, que parecia inexoravelmente condenado ao afundamento em mar aberto, adquiriu novo sentido, pois sua recuperação foi considerada viável.
Atracado na área do Parque Valongo, os responsáveis afirmam que a recuperação também incluirá tornar o W. Besnard novamente visitável e navegável, prestando-se a pequenos percursos turísticos, associados ao complexo. É possível que isso ocorra ainda em 2025, o que é auspicioso. Essa condição também deverá prover fundos para que a embarcação seja objeto de constante manutenção, o que será necessário não apenas em função de sua idade, mas também pela necessidade de docagem regular, para manutenção de seu casco. Seria possível fazer isso por aqui?
Estando em boas condições, o W. Besnard será um atrativo a mais no Parque Valongo, como a Fragata Sarmiento do Puerto Madero, em Buenos Aires. Quem sabe também poderá sediar um museu que conte a história das expedições realizadas e das atividades que nele eram desenvolvidas. A Universidade de São Paulo (USP) seguramente poderá colaborar nesse processo, pois o W. Besnard faz parte da história de seu Instituto Oceanográfico.
É importante lembrar que o Parque Valongo é uma parte do processo de revitalização da região do Valongo, tanto que já foi anunciada a revitalização da área dos armazéns 1, 2 e 3, cuja proposta é de que seja concluída até o final de 2025.
Os estudos para definição de seu programa urbanístico-arquitetônico ainda estão em desenvolvimento, mas cogita-se que um dos armazéns poderá abrigar um museu ferroviário. Nada impede que o Museu do Porto também fique por ali. Mas seria interessante que, a exemplo de Rotterdam e de Belém, alguns equipamentos portuários fossem instalados ao longo do cais dos Armazéns 1, 2 e 3.
É fato que muitos dos equipamentos que foram desativados no Porto de Santos foram desmontados ou leiloados. Seria interessante ter exemplares do “cinturinha” (1,5 t), do “Palmeirinha” (2 t) e do “Gavião” (12 t), bem como de alguns dos equipamentos dos tempos em que a Autoridade Portuária de Santos (APS) era responsável pelas operações portuárias. Será difícil, e não fará sentido trazer equipamentos de outros locais.
No entanto, ao lado do W. Besnard, está atracada a Cábrea Pará. Segundo o portal da Autoridade Portuária de Santos, a Cábrea Pará é um guindaste flutuante autopropelido, construído em 1976, na Alemanha, que possui capacidade para içar cargas de até 250 t.
Com 50 m de comprimento (LOA), 22 m de largura (Boca), 35 m de altura e calado de 2,5 m, trata-se de um equipamento imponente, que dispõe de refeitório e acomodação para até 18 tripulantes.
Até um passado recente, ela era utilizada para montagem de equipamentos em terminais portuários, embarque de cargas especiais e na remoção de embarcações soçobradas, mas está desativada, atualmente.
Soube que ela, a exemplo de outros equipamentos em desuso, seria objeto de leilão.
A exemplo do W. Besnard, manter um equipamento desse tipo e porte é custoso. No caso do navio, foi criada uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), visando arrecadar recursos para sua revitalização.
Seria possível o mesmo, no caso da Cábrea Pará?
Quem sabe um chamamento público possa identificar algum interessado em mantê-la.
Talvez o caso seja um pouco complicado, pois, ao que consta, ela demandaria docagem a cada cinco anos, e isso estava sendo feito em estaleiro do Rio de Janeiro.
Complicado…
No entanto, supondo que fosse adotada alguma solução que dispensasse a docagem regular, e que alguma OSCIP ou entidade afim se interessasse em assumir a Cábrea Pará, ela poderia se tornar uma das atrações do Parque Valongo, permitindo visitação e sua utilização como palco para eventos e outras atividades. Sua operação também poderia incluir algum atrativo aos visitantes, turistas e locais.
Algo para pensar, enquanto ela ainda esteja por aqui, e não apareça algum interessado em desmantelá-la.
A Estação das Docas, de Belém do Pará, tem seus guindastes. A Cábrea Pará pode ser um sinal, no mínimo uma coincidência.
Independentemente de qualquer desdobramento, vale uma premissa que deve ser adotada para qualquer embarcação que atraque no cais do Valongo revitalizado, ou equipamento ali instalado: seu abastecimento de energia elétrica deve ocorrer por terra, para evitar emissões poluentes.
Nesse sentido, o Parque Valongo e a revitalização dos Armazéns 1, 2 e 3 podem fazer parte das iniciativas que um dia caracterizarão nosso complexo portuário como “porto verde”.
Mesmo os portos que ainda não são capazes de prover energia limpa para todos os berços, a disponibilizam para navios de cruzeiros, os que mais consomem.
A futura transferência do terminal turístico de passageiros para o Valongo também potencializa essa solução energética.
O ideal seria que isso já estivesse acontecendo numa contagem regressiva: 3… 2… 1… Todo o projeto começa como um sonho, e todo o caminho começa com o primeiro passo. O Porto de Santos já vem caminhando há algum tempo, sempre avante, sendo tudo uma questão de tempo, planejamento e ação.
Museu do Trem, Museu do Porto, em terra e no mar… Enfim: um complexo que terá tudo a ver com a história de Santos, de São Paulo e do Brasil!