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Luiz Dias Guimarães

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Nos escombros, só lembranças

“Os bares vêm e vão ao longo da vida como as paixões. A honra não. Incrível como leva-se tanto tempo para edificar e como é tão rápida e brutal sua demolição. Volta e meia vejo imagens pessoais serem destruídas e vídeos que exibem exóticas demolições: conjuntos de novos edifícios sendo demolidos como castelo de cartas porque simplesmente não se dispunha de quem os habitasse, e dariam espaço a outros projetos”

O bar em que nunca me embriaguei, a não ser de um amor que não resistiu, foi abaixo num certeiro movimento da retroescavadeira. Impressionante como a destruição não poupa o tempo, só as fagulhas das lembranças. Os bares são como a honra, vítimas da inclemência do clima, do próprio detentor ou da maledicência.

No gesto daquela máquina mortífera vi meia dúzia de operários correrem feito formigas quando aquela estrutura desabou de vez. Parado na esquina, acometi-me de susto e torrencial saudade brotada na poeira.

As vigas metálicas sustentavam imenso telhado de sapé, agora já não mais. Por baixo daqueles rústicos fiapos desabou junto um teto providencial, construído ao longo da história para proteger quem debaixo dele estivesse sem ser atingido pelo fogo que, antes do novo teto, ameaçou com labaredas quem lá se divertia.

Sim, o fogo um dia foi real, como real era a alegria de todos que dançavam todas as noites, e dos corações incendiados de possibilidades entre fartas porções de queijos e vinhos.

Não sei dizer quantas vezes lá aplaquei minhas noites e mesmo dias em que lá almocei. Minhas lembranças se esvaíram no tempo e poucos momentos tenho na mente como a precisão dos gestos do operador da retroescavadeira.

Agora nada mais importa naquela esquina que em breve ostentará majestoso edifício. O que trago na memória por tantos anos virou escombro, como a noite em que meu coração se embriagou.

Os bares vêm e vão ao longo da vida como as paixões. A honra não. Incrível como leva-se tanto tempo para edificar e como é tão rápida e brutal sua demolição. Volta e meia vejo imagens pessoais serem destruídas e vídeos que exibem exóticas demolições: conjuntos de novos edifícios sendo demolidos como castelo de cartas porque simplesmente não se dispunha de quem os habitasse, e dariam espaço a outros projetos.

A honra de alguém também não resiste à sanha. Pode desabar um dia como meu bar, mesmo tendo serventia como aquele lugar. Parado na esquina, de frente para a operação, chamei a atenção do mestre de obras que, talvez prevendo uma contestação, se aproximou e disse: “Rápido, né? Até segunda o terreno estará limpo”. Eu assenti com a cabeça, improvisando leve sorriso para demonstrar que não estava me opondo à ação.

Segui lentamente meu caminho, reavivando momentos da minha vida e pensando como tudo pode terminar, um bar ou uma paixão à primeira vista que um dia foram abaixo. Tudo depende do dono do terreno, do operador, da inclemência do clima ou da falta de serventia. E nada resiste ao fulgor do tempo, às vezes tudo vira escombro de ferros, cimento e lembranças.

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