O farol que me chama
Meu cenário desejável, quando quero me refugiar, é a imagem de um farol. Sobre rochas íngremes e diante de mar revolto. É lá que queria estar, não sei por quê.
O farol é algo que, sempre que pude, persegui. Somos navegantes necessitados da luz para nos guiar. É assim que navegamos. Por isso, volta e meia, procuro algum que eu possa vislumbrar.
Anos atrás, deixei as bancas do Conrad para me aventurar em busca do farol de José Ignacio, estrada tosca à frente, distante 35 quilômetros de Punta del Este, no Uruguai. Outra vez, larguei o Arraial D’Ajuda para conhecer o farol de Belmonte, na Bahia.
O primeiro me encantou, perdido em meio ao bucólico vilarejo de imenso areal. O segundo me frustrou. Nem sempre o farol que buscamos é o que nos ilumina.
Construído pela empresa que fez a Eiffel no século XIX, quis a vontade das águas que fosse pra alto mar, e depois voltasse, e mudasse de lugar, até que o encontrei praticamente no meio da cidade.
Belmonte tem como símbolo um guaiamum, primo do caranguejo, exposto solenemente em escultura, ao final da rua principal. Assim que adentrei em busca de seu farol, me vi num filme de faroeste. Pessoas idosas sentadas à calçada me viam passar à frente de suas rústicas moradias, enquanto eu imaginava tufos de feno rolando ao vento.
Brequei no cruzamento. E talvez porque não seja comum parar na encruzilhada, o único carro que vi naquele lugar vinha atrás de mim e bateu levemente na minha traseira.
Nada mais me surpreenderia naquele lugar onde acabei não conhecendo as belas praias, impressionado pelo guaiamum, o motorista de trás e, para minha frustração maior, o farol, perdido e sem sentido por não mais estar à beira do mar. Tudo tem uma função na vida. E fico me pondo no lugar do farol de Belmonte, perdido em meio a vielas, sem a brisa das águas e o grasnar das gaivotas. Pior, sem mostrar o perigo e o caminho aos aventureiros.
Hoje, não sei ao certo a serventia de tais obras monumentais espalhadas nas costas do mundo. Soam-me como mistério, como nostalgia. De um tempo em que aquela luz mostrava o caminho num planeta que navegantes percorriam como insetos na noite escura. Quantas vidas eles salvaram, quanta esperança despertaram. Quanta gente encantaram com seu piscar feito vagalume nas madrugadas sombrias e tempestuosas.
O GPS e nossos bravos ‘pilots’, hoje, nos mostram por onde ir. Não só mar afora, mas rio adentro também. Mas para mim, os faróis continuam sendo meu guia.
Por isso, vez ou outra, busco no meu imaginário encontrá-los para encontrar a mim. Seja em Laguna, onde sei que há, na borda do Rio Grande do Norte ou nas costas do Reino Unido.
Não sei quantos faróis ainda conhecerei. Navego no universo da atividade marítima sem sair do lugar. Com a alma querendo seguir em busca daquela luz que emana de solenes torres, hoje já não tão mais perdidas na sua solidão. Atentos e dedicados sentinelas há séculos alertando marujos. E há algumas décadas me chamando, não sei por quê e nem para onde ir.